6:50Cidades sem futuro

por Dirceu Martins Pio*

Quando a malha urbana atinge a proporção dessa, da Grande São Paulo, e de várias outras do Brasil, começa a produzir o contrário de tudo aquilo que as pessoas procuram numa cidade. O almejado conforto transforma-se quase numa tortura diária e permanente.

O problema maior é que não há solução à vista. Enquanto a mídia, de modo geral, passa ao largo do debate sobre os temas urbanos, os partidos políticos se revezam na administração das grandes cidades com mais do mesmo, ou seja, sem nenhum olhar inovador para as questões urbanas, como se as populações dessas malhas disformes estivessem condenadas ao eterno sofrimento.

É tudo absurdo: as cidades entregaram seus espaços mais nobres – que deveriam ser espaços de uso das pessoas – ao carro e hoje o carro não anda e como não anda impede, ele mesmo, o uso confortável dos equipamentos pensados, teoricamente, para servir à população. Dentro dessa escala não há como pensar em transporte de massa de qualidade, em saúde de qualidade, em educação de qualidade e em segurança pública.  Quem quiser conferir isto que se utilize do metrô paulistano nos horários de pico, das 17 às 19 horas.

A Grande São Paulo entrou em colapso há vários anos e só a classe política não consegue enxergar isso com clareza maior. “Parem as rotativas”, como diriam os jornalistas. Vamos tentar encontrar – e com urgência – um jeito novo de administrar malhas urbanas como a de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre ou mesmo Curitiba. Não sou urbanista. Sou apenas um jornalista que aprecia e observa com atenção a temática urbana. Estou convencido de que a saída para as metrópoles brasileiras está no “aldeamento”, uma cópia adaptada do conceito difundido no continente europeu sobre as “cidades multicêntricas”. Como somos um país tupiniquim, o melhor seria imitarmos os índios e partirmos para a transformação de vilas e comunidades em aldeias.

Uma prefeitura tem poderes – fiscais, legais, financeiros – para incentivar o conceito multicêntrico ou da criação, em malhas como a da Grande São Paulo, de centenas de pequenas aldeias, autosuficientes, onde as pessoas poderiam ir para o trabalho à pé ou de bicicleta, utilizar-se dos equipamentos de saúde e de educação com tranqüilidade pois estariam disponíveis a poucos metros de casa. As comunidades aldeãs poderiam inclusive contribuir com a gestão dos serviços públicos, pois, para começar, teriam mais tempo para se dedicar a isso. Não mais desperdiçariam tempo para enfrentar os congestionamentos e outras vicissitudes.

As empresas, sobretudo as micro e pequenas, receberiam incentivos fiscais para contratar sua mão-de-obra dentro das próprias aldeias; artesãos e fornecedores de certos serviços essenciais seriam inclusive isentos de impostos e contariam com regulação menos rigorosa e mais justa; médicos dos serviços públicos seriam incentivados a visitar seus pacientes em casa, reforçando a prevenção à saúde; pais de alunos seriam também incentivados, talvez com folga semanal no trabalho, para melhor acompanhar os filhos na vida escolar; veículos de passagem seriam “pedagiados” e os recursos arrecadados  revertidos para aperfeiçoamento da infra-estrutrura das aldeias.

O melhor do aldeamento é sem dúvida a possibilidade que oferece à administração pública de calibrar seus focos de atuação, hoje dispersos por uma malha urbana gigantesca. São Paulo derivou para o caos menos por causa do licenciamento de centenas de novos veículos por dia e mais – muito mais – porque  não oferece a seus habitantes a menor possibilidade de trabalhar perto de casa ou servir-se dos equipamentos urbanos à pouca distância. Se um extraterrestre fosse observar com atenção o deslocamento diário da grande massa populacional paulistana iria concluir que, em São Paulo, o melhor emprego é aquele que fica a pelo menos duas horas de casa, a  melhor escola  é aquela que fica a duas horas e meia de casa e o melhor hospital é aquele que fica a três horas de casa. Ainda está para ser calculado o número de escolas e postos de saúde que poderiam ser construídos apenas com a economia de combustível nesses deslocamentos irracionais. Até quando a população vai suportar conviver com esse enorme contrasenso?

*Dirceu Martins Pio é jornalista. Artigo publicado originalmente no site Millenium

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