7:10Tribunal de Contas põe gasolina no Caso Derosso

Da Gazeta do Povo, em reportagem de Chico Marés e Karlos Kohlbach:

TC encontra novos indícios de irregularidades na Câmara
Tribunal vai investigar os contratos de publicidade e a falta de pagamento de impostos pelo Legislativo municipal

A força dos indícios de irregularidades encontrados até o mo­­­mento levou o Tribunal de Contas do Estado (TC) a determinar a abertura de uma tomada de contas extraordinária para averiguar os contratos de publicidade da Câmara de Curitiba. A nova investigação deve ser aberta na próxima segunda-feira. Em relatório produzido na semana passada, o TC revela alguns novos fatos, como o de que não foi feita a retenção de tributos devidos pelas agências contratadas pela Câmara.

O relatório aponta 12 possíveis irregularidades (ver quadro). A primeira delas questiona a constitucionalidade dos serviços prestados, alegando que a verba gasta com publicidade pela Câmara servia, em sua maior parte, para a promoção dos próprios vereadores – o que entraria em conflito com o artigo 37 da Constituição Federal, que determina a impessoalidade no serviço público. Ou seja, a própria contratação desses serviços já seria, em si, uma irregularidade. Ao todo, foram gastos R$ 54,6 milhões entre 2003 e 2011.

As empresas contratadas pela Câmara foram a Visão Pu­­­bli­­cidade e a Oficina da Notícia. A primeira prestou serviços à Câ­­mara entre 1998 e 2011, enquanto a segunda, de propriedade da jornalista Cláudia Queiroz Guedes, mulher do presidente da Câmara, João Cláudio Derosso (PSDB), foi contratada entre 2006 e 2011.

Um dos itens apontados pelo TC é a não retenção do Imposto de Renda (IR) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) pela Câmara. De acordo com o tribunal, a instituição deixou de reter R$ 197 mil em ISS e R$ 59 mil em IR. No próprio relatório, os técnicos afirmam que o Legislativo apresentou cópias das certidões negativas de débito obtidas pelas empresas, o que comprovaria o recolhimento dos tributos. Entretanto, o relatório considera essas certidões um atestado insuficiente.

Tomada de contas

Uma tomada de contas extraordinária ocorre, segundo o regimento do TC, quando os responsáveis por uma determinada instituição pública não cumprem prazos fixados em lei ou quando há a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico que cause danos aos cofres públicos.

Esse processo será conduzido por um grupo de cinco servidores do TC e será relatado por um dos sete conselheiros, que será sorteado na segunda-feira. Os técnicos responsáveis pelo relatório já estipularam, também, um cronograma para a realização dos trabalhos. A duração estimada foi de três meses – ou seja, a apuração deve ser encerrada no início de fevereiro.

O grupo de trabalho terá de indicar, caso existam, as irregularidades cometidas; quem especificamente deve ser responsabilizado pelos crimes; quais as possíveis sanções; e requisitar ao relator as medidas necessárias.

CPI

O presidente do TC, Fernando Guimarães, anunciou ontem que deve ceder na segunda-feira um auditor do tribunal para acompanhar os trabalhos da CPI na Câmara de Curitiba. O auditor foi solicitado pelos próprios vereadores que integram a comissão. “Só eles podem nos explicar a parte técnica de toda essa documentação. Vão nos auxiliar muito, com certeza”, comentou o presidente da CPI, Emerson Prado (PSDB).

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Veja quais são as 12 supostas irregularidades encontradas pelo TC nos contratos de publicidade da Câmara de Curitiba:

1. Inconstitucionalidade dos gastos da Câmara: as despesas teriam sido realizadas para a promoção pessoal dos vereadores. Isso seria uma infração ao artigo 37 da Constituição Federal.

2. Desnecessariedade da contratação das agências: como as empresas não produziam a maior parte dos informativos e da revista Câmara em Ação, não haveria necessidade de contratá-las.

3. Capilaridade dos gastos: cerca de 302 veículos de comunicação receberam verbas da Câmara, o que, segundo o TC, indica “falta de racionalidade” nos gastos. Além disso, parte dessas despesas foi realizada em publicações de outras cidades, como Mandirituba, Colombo e Almirante Tamandaré.

4. Vícios na abertura das licitações: o processo licitatório teve erros, segundo o TC, como a falta de justificativa para a contratação de duas agências e o conflito de datas entre o edital e o aviso do edital. Além disso, há irregularidades na participação da Oficina da Notícia, de propriedade de uma funcionária da Câmara, na época.

5. Imprecisão do edital de licitação: o documento indica apenas que o valor dos contratos para 2006 eram de R$ 5,2 milhões, mas não informa que o limite era de R$ 650 mil mensais.

6. Descumprimento do edital de licitação: a empresa Oficina da Notícia não cumpriu itens previstos em edital. Além disso, há inconsistência na avaliação das empresas.

7. Falta de critérios na distribuição dos serviços entre as agências: os valores repassados às empresas são diferentes, mas não há nenhum critério explícito para tal.

8. Possível excesso de remuneração das agências: como não produziam peças publicitárias, apenas faziam a intermediação entre a Câmara e as publicações, as empresas não deveriam receber mais do que 10% do valor repassado aos veículos – o que pode ter custado R$ 869 mil aos cofres públicos.

9. Possibilidade das agências terem contratados serviços que deveriam ser feitos por elas: notas fiscais indicam que as empresas terceirizaram a produção de materiais publicitários.

10. Câmara em Ação: tribunal vê discrepância entre a tiragem declarada da revista Câmara em Ação e sua visibilidade, além de não estar claro como funcionava a produção da revista. A publicação custou R$ 18,3 milhões à Câmara entre 2003 e 2010.

11. Não retenção de IR e ISS na fonte: o TC revela que esses impostos não foram retidos pela Câmara, conforme previsto em contrato. O Legislativo municipal supostamente deixou de reter R$ 197 mil em ISS e R$ 59 mil em IR.

12. Deficiências na fiscalização dos contratos: não houve a nomeação formal do gestor, o que pode ter causado prejuízo ao erário. Além disso, não ficou claro quem era o “gestor informal” indicado pela administração da Casa.

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Suspeitas de irregularidades surgiram há três meses:

Julho – Reportagem da Gazeta do Povo revela que contratos de publicidade da Câmara de Curitiba são investigados pelo Tribunal de Contas por diversas irregularidades. Uma delas foi a contratação da empresa Oficina da Notícia, de propriedade da mulher de João Cláudio Derosso, Cláudia Queiroz Guedes.

Agosto – O Conselho de Ética da Câmara abre investigação para apurar as denúncias. Derosso depõe e alega que não houve irregularidades. Os vereadores também criam uma CPI para apurar caso.

Setembro – O Conselho de Ética apresenta relatório pedindo o afastamento temporário de Derosso da presidência da Câmara por até 90 dias.

Outubro – O afastamento ainda espera por votação no plenário da Câmara. A tendência é de que a punição seja de 30 dias e aplicada durante o recesso de fim de ano.

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Empresário nega fraude
A reportagem tentou entrar em contato com a Câmara Municipal de Curitiba e com os responsáveis pela empresa Oficina da Notícia, mas não obteve resposta. Já o proprietário da Visão Publicidade, Adalberto Gelbecke Jr., disse que não teve acesso ao relatório e que, portanto, não pode falar sobre seu conteúdo. Gelbecke disse, ainda, que não cometeu nenhuma irregularidade e que deve esclarecer todos os fatos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o caso na Câmara. Ele deve depor no próximo dia 9. (Rogerio Waldrigues Galindo)

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Empresa só virou agência pouco antes de licitação

No relatório sobre os contratos de publicidade da Câmara de Curitiba, o Tribunal de Contas (TC) do Estado levanta a suspeita de que a empresa Oficina de Notícia se tornou uma agência de publicidade apenas para disputar a licitação – a proprietária da empresa, Cláudia Queiroz Guedes, atual mulher de João Cláudio Derosso (PSDB), era servidora da Câmara na época.

De acordo com o relatório, a empresa, que prestava serviços de assessoria de imprensa e comunicação, alterou seu objeto social e incluiu a prestação de serviços de propaganda e publicidade no dia 21 de março de 2006, poucas semanas antes da abertura da licitação, no dia 11 de abril do mesmo ano. Além disso, a Oficina da Notícia se filiou no Sindicato das Agências de Propaganda do Estado do Paraná (Sinapro-PR) no dia 16 de março do mesmo ano – ou seja, cinco dias antes de mudar sua razão social. Esses dois pontos eram pré-requisitos para a participação no processo.

Além disso, o relatório frisa que a Oficina da Notícia descumpriu itens do edital de licitação – mas, mesmo assim, foi escolhida. Um deles, por exemplo, exigia a apresentação de três atestados fornecidos por clientes, comprovando desempenho satisfatório dos serviços da agência. Entretanto, os atestados apresentados pela empresa se referiam a outras atividades.

Outro item pedia que as agências apresentassem peças que já haviam produzido, para que seu repertório fosse julgado pela comissão de licitação. A Visão Publicidade apresentou 10 peças, entre material impresso, de tevê e de rádio. A Oficina da Notícia apresentou apenas uma. Entretanto, a primeira recebeu nota 9,25 e a segunda recebeu nota 9, o que indicaria uma inconsistência na avaliação técnica.

Remuneração

Além disso, o TC também aponta um possível excesso na remuneração das agências. De acordo com o Conselho Exe­­­cutivo de Normas Padrão da Atividade Publicitária (CENP), as agências devem ser remuneradas com no mínimo 20% do que é repassado aos veículos quando há concepção, execução e distribuição da propaganda (o desconto de agência), e entre 5% e 10% quando há apenas a intermediação entre o cliente e um veículo.

Como as agências principalmente intermediavam a publicação de conteúdos produzidos pela própria Câmara em veículos, elas deveriam receber, no máximo, 10%. Entretanto, segundo o relatório, a Câmara pagou mais do que isso em diversos momentos para a realização desses serviços. O próprio presidente da Câmara, João Cláudio Derosso (PSDB), chegou ao mencionar, em um de seus depoimentos ao Conselho de Ética, que as agências cobravam 15% pelo serviço. Os técnicos avaliam que a Casa pode ter pagado R$ 869 mil a mais do que deveria. (CM)

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