17:44A chave do tamanho

por Ivan Lessa*

Eu estou diminuindo. Perdi 14 quilos em 3 semanas.

Fiquei meio assustado, não nego. “Só pode ser o diurético”, pensei com os botões que me saltavam assustados da camisa.

Olhando-me no espelho, lembrava direitinho um desses caras que, quando garotos, nós chamávamos de “Caveirinha”. Olhos fundos, maçãs salientes, porém nada sapecas, na cara. E nem falo dos braços e pernas.

Vou tomar uma chuveirada e reparo que, nos braços e nas pernas, as carnes antes se não rijas ao menos apegadas aos ossos que durante décadas se viram obrigadas a suportar, deles se afastavam com tristeza, se abanando em despedida como lenços no cais de meu corpo.

Meu corpo que, logo depois pesei na balança da banheira, acusava, de dedo fino em riste, uma perda de 14 quilos.

Minha altura –disso eu suspeitava– acompanhara a ruína total como se eu fora um restaurante na Praça Tiradentes do Rio.

O mundo me parecia alto, enorme, assustador, tudo muito maior do que o normal de antes.

Igual ao enredo do célebre escritor racista, Monteiro Lobato, do livro infanto-juvenil A Chave do Tamanho, tantas vezes lido e relido por mim, na juventude, adolescência, maturidade e, agora, pronto para ser conferido no capítulo final de minha existência.

Quero deixar claro que meus diuréticos, ingeridos dia sim dia não, eram recomendação de minha médica, uma irlandesa linda de morrer (digo, de viver), a doutora O’Brien, que anda cuidando de minha saúde, ou melhor, de minhas mazelas. Nada a ver com a vaidade de um regime estetizante. Cuidados com este meu fim de vida apenas.

Voei para o telefone. Expliquei meu pânico. Ela disse que eu não me preocupasse, que era assim mesmo e que eu cessasse com a diuretização por uma semana, me pesasse e aí voltasse a ligar para juntos (ah, juntos!) traçarmos um novo plano estratégico.

Estou nessa. Na segunda-feira, ligarei para a doutora O’Brien torcendo para (a) eu estar normalizado e (b) ela querer dar uma passada aqui em casa para pessoalmente conferir a… o… “estado das coisas”, digamos assim.

Infelizmente, mais magro e pelancudo, além de –juro!– bem mais baixinho, continuo sabendo ler. Pra quê, senhor!

Emagrecer 14 quilos em 3 semanas é uma excelente maneira de engordar uma bela paranóia, se é esse o caso.

Lá estava a nota fatal que o racista Monteiro Lobato previra na “Chave do Tamanho”. A Terra esquenta e os animais murcham. Fato científico. E eu, sabemos todos, sou um animal terrestre.

Os fatos são os seguintes: cientistas baseados em Cingapura publicaram na importante revista acadêmica “Nature Climate Changes” (Mudanças Climáticas na Natureza) o resultado de uma pesquisa conduzida durante anos que deixa entrever o fato bizarro de que animais e plantas em todo o planeta estão murchando graças às mudanças climáticas.

Tudo está ficando menorzinho como consequência do aquecimento global e de condições que beiram a seca.

Lá está: os ursos polares estão bem mais pequenos. Idem carneiros, bois, vacas, gaivotas, sapos, tartarugas, pés de manacá, e por aí afora.

Não tocaram, os cientistas, possivelmente cingapurenses, no Homem. Evitando assim, como já me acostumei, um possível contato comigo. Para variar, eu não era importante.

Meu instinto me diz que eles sabem o que fazem e não querem diminuir, lato sensu, aqueles que sustentam seu hábito, ou quase vício, de praticarem a diabólica arte do cientificismo.

Mas no dia seguinte, lá estava no jornal: o presidente Barack Obama tem em suas mãos, de tamanho ainda normal, embora menos populares, o poder de fazer passar uma legislação que proteja o urso polar.

Os americanos, lá em suas alturas de mais de um metro e oitenta, contam com a providência enérgica. Sapo, tartaruga, gaivota, jabuticabeira, nada. Nem pensar. Muito menos no Homem, com agá maiúsculo, ou grande, e em mim, ou minúsculo. Só o chatão do urso polar.

Tudo bem. A doutora vem aí. Vou pegar coragem e convidá-la para juntos nos pesarmos e nos medirmos com fita métrica. Enquanto, lá fora, o mundo diminui e fenece.

*Colunista da BBC Brasil
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