15:22O transplante, a fila e uma briga trabalhista

Do blog Lado B:

Fila de transplantes no HC de Curitiba empaca em conflito trabalhista

O Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) é um centro de excelência em transplantes de medula óssea (TMO) e o único na rede pública capaz de realizar esse procedimento entre não aparentados no estado. Mas essa referência pode ser colocada em xeque por conta de uma briga interna entre profissionais de enfermagem concursados e aqueles contratados por teste seletivo há dois anos e meio. A denúncia é feita pela dona de casa Francisca Leite Silva, mãe da paciente Suelen Cristina Leite, de 21 anos. Suelen foi diagnosticada em abril de 2010 com Leucemia Linfócita Aguda (LLA) e precisa urgentemente de um transplante. Durante esse tempo de tratamento perdeu dois doadores compatíveis e conta agora com a solidariedade de um terceiro, encontrado praticamente “por milagre”. Milagre é o termo apropriado porque encontrar um doador de medula entre um não aparentado – 100% compatível – é uma probabilidade estatística em um para cada cem mil casos.

Mas hoje, quando deveria dar entrada no HC, encaminhada pelo Hospital Nossa Senhora das Graças e depois de estar preparada com cateter para o pré-transplante, a paciente recebeu a notícia de que o procedimento marcado para o próximo dia 27 (quinta-feira) – para o qual ela teria de ser internada na sexta-feira, dia 21 – foi cancelado por falta de leito no hospital. Na verdade, se trata de falta de profissionais de enfermagem para atender os pacientes da internação à alta. A cena que se vê, hoje, no 15º andar do HC, onde funciona a ala de TMO, é das atendentes ao lado de uma montanha de pastas de prontuário, ligando para as famílias na fila dos transplantes para desmarcar o procedimento agendado. Quando se questiona a Ouvidoria do HC, eles remetem as perguntas por sua vez à direção do Hospital, mas não admitem que o pano de fundo dos adiamentos é a gestão de pessoal. A própria CPI dos leitos do SUS da Assembleia Legislativa do Paraná, que apresentou seu relatório ontem, levantou que o problema do sistema não é de falta de recursos ou de leitos, mas de gerenciamento dos hospitais.


Os profissionais da enfermagem contratados por teste seletivo há mais de dois anos reclamam que não foram devidamente orientados quando da realização recentemente de um concurso público, pois havia sido dito a eles que haveria uma seleção específica para o TMO e que esses empregados teriam prioridade na seleção, ou seja, que por se tratar de um serviço especializado, seu tempo de serviço contaria como uma espécie de titulação e que o concurso realizado para suprimento geral de vagas não era destinado a eles. Acontece que muitos não fizeram, outros o fizeram sem a devida preparação e apenas seis, dos 51 profissionais de enfermagem contratados no TMO, foram aprovados. Enquanto um concurso está aberto, outro não acontece.
Agora, os demais profissionais, por saberem que serão demitidos para dar lugar aos concursados, estão inseguros e já buscam outra alternativa de emprego. Administrar esse conflito virou um caos interno. Os concursados, segundo informações de uma enfermeira que não quis se identificar, passam por um treinamento específico para atendimento na TMO de no mínimo seis meses e não ficam sozinhos com os pacientes antes de oito meses de trabalho diário no hospital. Com isso, um grande número de pessoas sem qualificação está entrando e o HC perde profissionais altamente capacitados. O lado mais fraco é o dos pacientes que têm transplante adiado e dos transplantados que ficam pelo menos 30 dias na ala de TMO e, depois disso, continuam o atendimento por mais 70 dias aproximadamente no ambulatório. A partir daí, podem ir para casa, mas se submetem a cada 15 dias, mensalmente, semestralmente e periodicamente pelo resto de suas vidas ao monitoramento dos 62 profissionais de enfermagem do 15º andar do HC e isso quando não há necessidade de reinternamento.

Francisca Leite Silva está desesperada e não se conforma com o adiamento do transplante da filha Suelen. “A gente pede pela saúde dela e também tem medo de perder esse terceiro doador. É uma situação desesperadora”, reclama. Desde o diagnóstico da doença, Suelen se submete semanalmente a transfusões de sangue e plaquetas, o que tem debilitado a paciente. “Ela não agüenta mais tanta transfusão de sangue e plaquetas e sabemos que a evolução da doença causa danos irreparáveis”, argumenta a mãe. “Não queremos entrar para as estatísticas, com matérias sensacionalistas de como a criança morreu por falta de cuidados do HC do Paraná, queremos apenas que se faça o transplante agendado”, desabafa uma amiga da família. O medo da família é de que o hospital, que assegurou as perfeitas condições para o transplante, volte atrás nesse diagnóstico a fim de encobrir o real motivo do adiamento, que é um problema de gerenciamento. As pessoas que são comunicadas do adiamento do transplante recebem também a informação de que “não há previsão” para realizá-lo.
É até desumano adiar esse tratamento e os profissionais do HC, antes das divergências e dos interesses pessoais, antes mesmo da obrigação de “servidores públicos”, não podem se esquecer da conduta ética na Medicina, que é a de colocar o bem-estar dos pacientes em primeiro lugar. A direção do hospital, responsável por gerenciar essa celeuma, muito menos. O Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, também poderia fazer o transplante, mas os planos de saúde particulares cobrem apenas a parte de “hotelaria” e não a conta do procedimento, orçada em R$ 100 mil (cem mil reais). A reportagem do Blog Lado B vai tentar ouvir a opinião dos responsáveis no Hospital e também dos promotores da saúde sobre esse caso.

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