Por volta das três da manhã
os moradores da favelinha
ouviram gemidos na rua
uma voz agonizante pedia socorro
com medo ninguém acredita
de manhã o morto ali em paz
já não tinha nenhum lugar para ir
o único sem pressa para nada
o cabo André e o soldado Tito
deram com a cena nunca vista
o corpo sangrado em golpes
os braços abertos em cruz
o punhal até o cabo no peito
uma pequena coroa de rosas
em torno do rosto barbudo
uma flor espetada na boca
o próprio assassino quem diria
cuidou das pompas fúnebres
foram ao todo quinze pontaços
oito no pescoço
quatro no rosto
um no peito um na testa e outro na mão
três montinhos de terra
aqui a cabeça ali os pés
demarcavam o corpo
ais o punhal de sangue
o velho par de chinelos
o boné com a inscrição Jesus
um cachimbo partido
a garrafa de pinga vazia
o invetário de todos os bens
no último dia de uma vida
o colega Pipoca deu o serviço
o nome era José João de Jesus
morador de rua
catava latinha
virou andarilho por conta do vício
pela droga e pela cachaça
depois de tudo perder
sem mais nada
nadinha de nada
trocando a mulher
por trinta pedras
vendeu a filha
por um tantinho de pó
de Dalton Trevisan em “O Anão e a Ninfeta”