9:00A crise de sempre

De Cristovão Tezza, no jornal Gazeta do Povo

Durante anos trabalhei na elaboração das provas de Redação e Língua Portuguesa do vestibular da UFPR e participei da mu­­­­dança de modelo implantada pelo Departamento de Letras. Foi um projeto que deu certo – nossa prova de Português passou a ser uma referência nessa área problemática. Mas o que me chamava a atenção era a complexa “operação de guerra” da realização do exame pela comissão do vestibular. Um trabalho exaustivo, tentacular, que ia das etiquetas de ensalamento até a varredura de sinais de rádio atrás de indícios de fraude. A preocupação com eficiência e segurança chegava às raias da paranoia, e com razão. Tudo isso em um único exame de uma única universidade. Não por acaso, pela sua competência a UFPR passou a “exportar” vestibulares.

Quando soube do projeto do Enem, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a descomunal logística que um exame nacional simultâneo representaria. E, justamente por ter visto de perto o que isso exige em escala local, desconfiei que a coisa seria um desastre atrás do outro. Não vou nem falar da politização de uma questão estritamente técnica, ou de licitações viciadas, ou todo esse pacote de pequenas e grandes corrupções que são a praga nacional em todo lugar.

A questão básica mesmo é mão de obra qualificada. O Estado não tem condições de fazer um exame nacional simultâneo sério e bem feito, a menos que conte com uma equipe de nível equivalente à turma que roda o Imposto de Renda, por exemplo – para cobrar, o Estado sempre caprichou mais, desde o Brasil Colônia. Já quando tem de fazer sua parte, é essa vergonha cotidiana. Se insistir nesse mesmo modelão, vai dar errado de novo. O custo é imenso – seguem-se as ações na Justiça, a angústia dos estudantes, a dura sensação de fraude pelos vazamentos, a incompetência se desdobrando em cinismo ou em mais incompetência. E vende-se a falsa ideia de que um simples exame seja a solução da crise do ensino brasileiro.

Sempre que o país tenta avançar, sente-se o peso assustador da ignorância, do mal feito, da desqualificação profissional, do analfabetismo letrado. Se a dívida social do Brasil já é grande, a cultural é avassaladora. Perdemos décadas em questões cruciais, como a estupidez da reserva de mercado da informática, o criminoso abandono do ensino básico e médio, a ausência de projetos consistentes de educação. Tudo ficou no automático.

Enquanto isso, a universidade pública não sai do lugar. Aferrada a um modelo obsoleto, ela é irrelevante na área da pesquisa e, como formadora de mão de obra, inepta – responde por uma pequena parcela dos formandos do país. Nesse vácuo, que seus bolsões de qualidade e professores qualificados não conseguem ocupar, a pauta de um projeto educacional brasileiro ficou nas mãos dos políticos – com aquela argúcia e lampejos de estadistas que a gente já conhece do noticiário, às vezes policial.

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Uma ideia sobre “A crise de sempre

  1. Tia Cotinha...

    Zé Beto…”esse menino”!!!Esse menino o Tezza, é o roto falando do rasgado. Tudo tem que ter o começo, o objeto quando no campo da imaginação e volátil, quando o materializamos torna-se tátil – o óbvio ululante -, nesse tornar-se começa aparecer os erros, que serão concertados no tempo. Não foi assim, quando começaram os vestibulares no Brasil?

    Beijos. Querido.

    Tia Cotinha

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