9:1990,6% de reprovação

Da Gazeta do Povo, em reportagem de Tatiana Duarte:

Enem perde credibilidade após fiascos
Pesquisa mostra que 90% dos jovens curitibanos que cursam o 3.º ano do ensino médio não acreditam mais no exame e 45% defendem que ele seja refeito para todos os inscritos

Os problemas registrados na segunda edição do novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) abalaram a sua credibilidade. Um levantamento encomendado pela Gazeta do Povo ao Instituto Paraná Pesquisas revela que 90,6% dos estudantes curitibanos do 3.º ano do ensino médio acham que o exame, que tem um papel fundamental na educação brasileira e mudou vidas nos últimos anos, caiu no descrédito. E mais do que isso: 45% defendem que o Enem seja cancelado e refeito integralmente. Um porcentual de quase 18% é mais radical: considera que o melhor é abandonar o exame neste ano.

Segundo o diretor do Pa­­raná Pesquisas, Murilo Hidalgo, a sondagem revela que a razão de ser do Enem não é unanimidade entre os estudantes de Curitiba. “O grande desafio do governo será fazer com que o Enem recupere a credibilidade e não apresente mais problemas em suas próximas edições”, ressalta.

Qualidade

O Enem foi inicialmente projetado para medir a qualidade do ensino médio. Porém, para boa parte dos entrevistados (44%), a ferramenta não tem sido eficiente em relação a esse propósito. A insatisfação cresce mais ainda quando o assunto é o uso da nota do exame para o ingresso no ensino universitário: 72% diem que o Enem não tem a mesma eficiência de concursos vestibulares, defendidos como confiáveis por 84% dos entrevistados, quando em instituições públicas, e por 66%, quando envolvem universidades privadas.
Hidalgo chama a atenção para a diferença de percepção entre os estudantes de escolas públicas e privadas. De acordo com o levantamento, quando questionados sobre a eficiência do Enem, 66,5% dos que estudam na rede pública acham que o exame é um bom mecanismo para a avaliação do ensino médio brasileiro, enquanto que 60,6% dos estudantes das escolas particulares dizem o contrário.
Criado em 1998, o novo Enem foi lançado em 2009 pelo Ministério da Educação (MEC) como alternativa para o ingresso ao ensino superior em instituições federais e estaduais. No Paraná, a Universidade Tecno­lógica Federal do Paraná (UTFPR) usa integralmente a nota para selecionar seus estudantes. Já a Univer­­sidade Federal do Paraná (UFPR) usa 10% da nota para compor o escore do candidato.
A perda de confiança é resultado de uma sucessão de erros. Em 2009, a prova vazou, o Enem foi adiado e uma abstenção superior a 40% foi registrada. Houve erros na divulgação do gabarito e dados sigilosos de candidatos vazaram na internet. Neste ano, no primeiro dia de testes, o exame teve erros de impressão nas folhas de resposta e nas provas. Vinte e um mil cadernos de testes na cor amarela tiveram erro de montagem e não continham as 90 questões aplicadas.
Opiniões divididas
Para grande parte dos estudantes, a sucessão de erros em um exame decisivo para a vida de mais de 3,3 milhões de pessoas (número de candidatos neste ano) é lamentável. Participante de um movimento contra as falhas do Enem, Cidnei Baptista, 18 anos, está entre os que defendem o cancelamento do exame. “Só o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa­cionais, responsável pelo Enem] consegue errar duas vezes. Durante três anos nos preparamos para uma prova em que não se admite erro. É uma pa­­­lhaçada o que estão fazendo com a gente”, diz. Uma manifestação dos estudantes está marcada para se­­­gunda-feira, às 13h30, na Boca Maldita, em Curitiba.
O MEC estimava que 10% dos 3,3 milhões de alunos haviam sido prejudicados, mas os dados levantados até agora mostram que menos de 200 ocorrências foram identificadas, em cinco estados: Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Paraná e Santa Catarina, além do Distrito Federal. A Defensoria Pública da União , no entanto, registrou mais de 4 mil reclamações. A data da prova ainda não foi marcada.

Problemas esperados

 Reitores de instituições de ensino superior, representantes do movimento estudantil e educadores reconhecem os problemas operacionais que envolveram a segunda edição do novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas ainda saem em defesa da sua continuidade. Para o reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Carlos Eduardo Cantarelli, a insatisfação dos candidatos é natural, pois a entrada numa universidade representa um período de definição de suas vidas. “Mas temos de lembrar que os vestibulares também apresentaram problemas que foram corrigidos ao longo de 40 anos”, afirma.
De acordo com Cantarellli, o Enem é uma inovação para o Brasil. “É um mecanismo adequado não só para o acesso ao ensino superior como para o direcionamento dos conteúdos da educação básica. Os vestibulares tornaram o currículo do ensino médio impraticável e extremamente conteudista”, diz.

Escalada de erros
Além das complicações desta edição do Enem, há outras avaliações problemáticas realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Confira:

Vazamento

Em outubro do ano passado, jornalistas tiveram acesso à prova do Enem dois dias antes da aplicação, o que levou ao cancelamento do exame. Investigações mostraram que o documento foi furtado de dentro da gráfica onde era realizada a impressão.

Exclusão

Muitas universidades desistiram de usar a nota do Enem como parte do processo seletivo em função do atraso para a realização do exame e a divulgação das notas. Em 2009 também houve a divulgação de um gabarito errado e problemas com o Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Insegurança

Em agosto deste ano foi descoberto o vazamento de dados de inscritos no Enem nos anos de 2007, 2008 e 2009. No período foi possível acessar os números do CPF e do RG, além do nome da mãe do candidato. A Polícia Federal temia que isso facilitasse a atuação de criminosos e fraudadores.

Questões anuladas

Em 2009 o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), criado para avaliar o ensino superior, teve 54 questões anuladas, representando 7% do total. Na aplicação das provas da área de Comunicação Social, estudantes e coordenadores de cursos de Curitiba afirmaram que houve uma orientação errada, para não preencher 15 das 40 questões, o que prejudicou o desempenho final das instituições.

O exame que melhora vidas

O Enem ainda representa uma alternativa ao vestibular tradicional e é socialmente mais inclusivo, na opinião do reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Targino de Araújo Filho, que também é vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). “Eu separararia o caso do ano passado, que foi de polícia. Os erros deste ano foram lamentáveis, mas isso faz parte da aprendizagem na aplicação de um processo de uma dimensão tão grande”, diz.
Na opinião do presidente do movimento Todos Pela Edu­ca­ção, Mozart Neves Ramos, mem­­bro do Conselho Nacional da Educação (CNE), a parte operacional e a parte pedagógica do Enem devem ser avaliadas separadamente. “A prova é correta, bem elaborada e a metodologia utilizada [Teoria de Resposta ao Item – TRI] permite que um exame de mesma complexidade seja aplicado inúmeras vezes”, avalia. Na opinião dele, o problema está na forma centralizada de aplicar o Enem e talvez uma saída seja aplicar as provas regionalmente, com a organização das universidades que participam do processo. “Para isso seria necessário um investimento maciço na criação de um banco de itens. Ainda não há um número suficiente de questões para que o Enem seja feito de maneira descentralizada”, diz.
O presidente da União Paranaense dos Estudantes (UPE), Paulo Moreira da Rosa Júnior, afirma que as entidades do movimento estudantil têm evitado o discurso contra o Enem, que na opinião dele é oportunista. “É um exame que está servindo para a democratização do acesso ao ensino superior. O que precisa melhorar é sua aplicação logística”, diz.

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