9:23Solda (Alceu Dispor): “O dia em que o Turco me encontrou”

por Jamil Snege*

Conheci Solda em 1622, numa pequena aldeia da Normandia. Ele se chamava então Geneviève
e era uma encantadora moçoila de seus dezoito anos, rosto afogueado, cujo caso com um
oficial inimigo provocara um escândalo sem precedentes na história da província. Aos 24 anos,
acusada de bruxaria, Solda (aliás, Geneviève), foi condenada à fogueira, ao lado da abadia de
Cerisy-La-Forêt, consumindo, além de um vestido novo que custara vinte francos, uma vida
toda dedicada a minar a resistência dos exércitos invasores.

Depois de ser índio sioux e vampiro na Transilvânia, volto a encontrá-lo, já no século XIX, como
aventureiro no Mississipi. Lembro-me ainda hoje da maneira como seu corpo foi atirado no rio
e engolido pelas rodas do vapor, ao roubar descaradamente no pôquer.

Novo desaparecimento e eis que, em 1936, Solda marcha ao meu lado na campanha da
Abissínia. Era um italiano da Sardenha, chamado Bertollucio, cuja maledicência não poupava
nem o próprio Mussolini. Morreu no campo de batalha, praguejando, com uma flecha
espetada no subsolo.

Reencontro-o, muito tempo depois, com uma certa surpresa, na Sala de Imprensa da
Prefeitura. Finjo que não o conheco (ele me deve uma ficha de pôquer há mais de cem anos). E
ele, aliviado, retribui com igual e fingida indiferença.

Para quem não acredita em reencarnação, informo o seguinte: este último Solda nasceu
em Itararé, São Paulo, em 1952 e igual aos seus avatares anteriores, é um sujeito que muito
promete. Isto se não encontrar uma fogueira, o General Custer, uma estaca de madeira, um
parceiro de pôquer violento ou uma flecha etíope pela frente. O que eu, particularmente, acho
pouco provável.

* Texto de 1973

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2 ideias sobre “Solda (Alceu Dispor): “O dia em que o Turco me encontrou”

  1. antonio carlos

    Gostaria de saber qual dois dos é o Highlander, ou se ambos são Highalanders? Ou serão vampiros, porque vampiro todo mundo sabe que não morre. ACarlos

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