8:21Sucursal do Inferno

Segue a íntegra da ação civil pública contra o Governo do Estado do Paraná proposta pelo promotor de Justiça Fuad Faraj em função da presença de adolescentes na cadeia pública de Almirante Tamandaré, que está superlotada e foi alvo de ação precedente do Ministério Público do Paraná, acatada pela Justiça mas que não resultou em providências. Confiram:

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA CRIMINAL E ANEXOS DO FORO REGIONAL DE ALMIRANTE TAMANDARÉ DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

DEIXAI TODA A ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS”
No Frontispício do Portal do Inferno – Inferno, Canto III, Divina Comédia, Dante Alighieri.
 

                     O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu Promotor de Justiça, em exercício na Promotoria de Justiça de Infância e Juventude deste Foro, com fundamento na Constituição da Repúbllica e nas normas legais atinentes ao caso, vem, perante Vossa Excelência, propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

contra
    ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público, representado, para fins judiciais, pelo Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral do Estado, a ser citado na Rua Conselheiro Laurindo, nº561, Centro, no Município de Curitiba, pelas razões de fato e de direito que doravante passa a enunciar:  
I – OS FATOS
     
                         Ainda haverá quem não entenda ser o portal do inferno a cadeia pública de Almirante Tamandaré. Talvez nem mesmo a visão daqueles olhos entranhados dentro das órbitas dos prisioneiros do Estado faça ver à mais empedernida das promotoras almas da justiça a tragédia humanitária que acomete homens, mulheres e adolescentes no espaço permeado pela maldição, pela desolação e pela perfídia humana.  Que há mais para dizer diante do quadro dantesco que nos espanca a face envergonhada diante das celas, do corró, dos corredores e das dependências da cadeia de Almirante Tamandaré?
                         A indignação de Promotores de Justiça do valor de Diego Dourado fez com que o Ministério Público propusesse uma ação civil pública para que se determinasse a remoção de todos os presos custodiados pela Cadeia Pública de Almirante Tamandaré e que o Governo do Estado do Paraná fosse proibido de colocar qualquer outro até que reformas ou a construção de uma nova unidade pudesse atender o que estabelece a insignifcante e esquecida Constituição da República e a Lei de Execuções Penais.  O processo de referida ação civil tramitou na Vara Cível deste Foro Regional sob o nº 922/2008 e teve decisão de primeiro grau prolatada pelo Insigne Magistrado Eduardo Novacki no mês de abril de 2010, julgando-a inteiramente procedente.
                         O referido processo, cujo contéudo, materializado em cópia xerográfica, também fundamenta a presente ação, vomita à exaustão e até os ápices da náusea que aquele buraco nojento e insalubre que chamam de Cadeia Pública incrustrada na Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré nada mais faz que nos remeter a uma versão grotesca e desumana do Inferno de Dante. Vê-se que é, sem sombra de dúvida, a versão paranaense de um enredo Kafkiano e que atesta, para todos os fins de fato e de direito, a falência constitucional e moral do Governo do Estado do Paraná e seu chamado, no tom de um irônico gracejo, Sistema de Segurança Pública.
                         Insalubridade e superlotação numa cadeia que comumente acondiciona, feito animal pestilento, quase o triplo de pessoas do que sua capacidade permite. Mulheres e homens e adolescentes convivendo abaixo da linha de qualquer respeito, dignidade, civilidade ou humanidade. Nem trogloditas viviam da maneira como são tratados pelo Governo do Estado do Paraná as pessoas que tiveram a sina de serem trancafiadas na imunda e vergonhosa cadeia pública de Almirante Tamandaré.
                     As provas são insofismáveis e a repugnante atuação do Governo do Estado do Paraná nos faz ver que não moveu uma única palha para mudar essa realidade desde que aquela ação foi proposta até o momento da prolação da sentença. Somente a atuação de Delegados, escrivães e policiais lotados na referida Delegacia possibilitou, aqui e ali, algum lenitivo e paliativo aos que padecem na masmorra que o Estado do Paraná faz funcionar em Almirante Tamandaré.
                     Esse relato prévio foi necessário para que possamos conceber a gravidade da situação imposta a adolescentes apreendidos sob a acusação de prática de atos infracionais e que permanecem detidos na Delegacia de Polícia no mesmo contexto espacial dos adultos custodiados.  É preciso que se diga em alto e bom som: Não há lugar, compartimento, buraco, gaveta ou armário no qual possam ser detidos adolescentes na Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré.  O Estado do Paraná há muito deveria providenciar um local adequado nos moldes preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
                    A despeito deste Juízo primar e encarecer às autoridades policiais pela integral observância do que predispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial o seu artigo 185, §2º, o qual determina que adolescentes custodiados em repartições policiais deverão ficar em seção isolada dos adultos e em instalações apropriadas, verifica-se ser isso impossível de ocorrer na Delegacia de Almirante Tamandaré, em face de sua precária estrutura.
                     O fato chegou ao nosso conhecimento atráves do adolescente apreendido nos autos PROJUDI – 0008036-89.2010.8.16.0024     que relatou ter ficado custodiado junto com presos adultos. Em face da gravidade da informação prestada pelo adolescente que manifesta infringência ao que estabelece o Estatuto, o Ministério Público solicitou naqueles autos que que a Douta Delegada de Polícia fosse instada a prestar esclarecimentos sobre fato tão grave. E estes vieram pelas Informação anexa ao ofício encaminhado pela Autoridade Policial, a qual consigna:
                     “Com relação ao adolescente…filho de…este ficou apreendido nesta Delegacia de Polícia, sendo que o local que este ficou alojado é um lugar apartado, porém devido à estrutura que possuimos o mesmo apesar de separado ficou próximo dos demais detentos, ou seja, o adolescente permaneceu no corredor, tal ambinete é separado das demais celas que compõe nosso sistema carcerário, todavia possui ligação com os demais custodiados somente através das grades.
                           A resposta da Autoridade Policial nos mostra uma vez mais a carência estrutural, física e funcional da Delegacia e da Cadeia Pública de Almirante Tamandaré.  Verifica-se que não há como estabelecer seção isolada para custódia de adolescentes, muitos deles de alta periculosidade, cuja internação se impõe, e que precisam ser encaminhados de imediato para entidades com as características definidas pelo artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Constata-se, também a completa inexisência de instalações adequadas na única Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré para custódia de adolescentes. Por fim, verifica-se até não mais poder, que faz-se tabula rasa do artigo 185, §2º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
                     Além do mais, é preciso também salientar, o pequeno contingente policial da Polícia Judiciária não pode ser, por desvio de função manifesta, obrigado a custodiar presos e adolescentes quando a alta criminalidade de Almirante Tamandaré impõe a consagração de todos os esforços dos policiais civis no combate e elucidação de crimes que é, afinal, a sua atividade-fim.
II – O Direito

                    Na exposição dos antecedentes fáticos fizemos breves referências legislativas que impedem a utilização da Delegacia de Almirante Tamandaré, sua Cadeia Pública ou qualquer de suas instalações como local de permanência, em internamente provisório, de adolescentes acusados de prática de ato infracional.
                     Para numa República que se crê fundada no princípio da dingnidade humana (art. 1º, V, da Constituição da República), a existência da situação vivenciada na Delegacia de Polícia e na Cadeia Pública de Almirante Tamandaré é algo que demonstra a quantas anda o menoscabo e o desprezo do Governo do Estado do Paraná pela Lei Maior e a sem-cerimînonia em violá-la em todos os seus aspectos.  As condições a que são submetidos os presos em geral e os adolescente em particular são, em maior ou menor grau, desumanas e degradantes, com clara infringência ao artigo 5º, III, da CR.
                     Referências principiológicas estabelecidos nos artigos 3º, 4º e 7º do Estutato da Criança e do Adolescdente determinam a consagração da Proteção Integral.
                     Referências expressas do Estatuto da Criança e do Adolescente, pelos seus artigos 123, 124, 125 e 185, nos asseveram a obrigatoriedade de que adolescentes acusados de prática de ato infracional, mesmo que apreendidos ou internados a título provisório, sejam mantidos em estabelecimentos exclusivos para adolescentes. A repartição policial, delegacia de polícia, cadeia pública, ou quaisquer estabelecimentos congêneres só se prestam a manter adolescente, desde que provisoriamente e em instalações adequadas e em seções isoladas dos adultos.  Pelo contido nos autos de ação civil pública 922/2008 restou provado de que não há instalação adequada sequer para adultos, quanto mais para adolescentes que deveriam ter atenção e tratamento diferenciado em face da imputabilidade e do princípio da proteção integral.  A resposta encaminhada pela Douta Delegada de Polícia corrobora esta assertiva.  Expõe também a impossibilidade de segregar de maneira eficaz adolescentes dos adultos, permanecendo ambos no mesmo contexto espacial e em descarada proximidade.
                     É de se concluir que a Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré, sua Cadeia Pública ou quaisquer de suas repartições não possui estrutura adequada para receber adolescentes apreendidos e internados provisoriamente. Aliás, não possui sequer condições de manter presos adultos em face da expressa violação da Constituição e da Lei de Execução Penal, conforme constatado pela Decisão Judicial dos autos 922/2008.
III – Decisão Liminar
                         A degradação humana a que se condiciona uma pessoa privada de sua liberdade na Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré é algo absolutamente provado, seja pela informação encaminhada pela Douta Autoridade Policial, seja pelo contido nos autos de ação civil pública 922/2008, cuja cópia anexamos a esta. Não há dúvidas em relação às mazelas desse sistema podre em sua essência e nefasto em sua ação.  Como pedir a alguém privado de liberdade o respeito à lei se quem deve zelar pelo seu cumprimento simplesmente a rasga em mil pedacinhos furta-cor em plena luz do meio-dia? A lição que pessoas recebem na masmorra que o Governo do Estado do Paraná insiste em ver funcionando em Almirante Tamandaré é que as leis não valem para todos e que uns por serem superiores aos demais cidadãos, são imunes ao seu cumprimento.  O efeito nefasto do perigo da demora de uma decisão judicial que faça estagnar a manutenção de adolescentes na Cadeia ou na Delegacia de Polícia ou em qualquer de suas repartições é incalculável.  A violação expressa dos direitos dos adolescentes submetendo-os a regime sequer permitido pela Constituição e pelas Leis aos adutos, mas que é tolerado por Promotores e Autoridades Judiciárias, vem em prejuízo da formação e da recuperação de jovens ocasionalmente traumatizados pela experiência degradante.
                     O direito é inatacável, sua violação mais que certa e o perigo na demora de estabelecer o status almejado pela Constituição e pelas Leis virá em prejuízo da formação de cada adolescente submetido à irreponsabilidade do Estado.  Por isso, antecipar os efeitos da tutela em sede liminar é, antes de apropriado, desesperadamente necessário.
IV  – DO PEDIDO

                     Do exposto, o Ministério Público do Estado do Paraná requer:
1 – O recebimento desta, com a citação do Estado do Paraná para, querendo, contestar os termos da presente ação, sob pena de revelia e confissão acerca da matéria de fato;
2 – A condenação do réu, para determinar que o Estado do Paraná seja proibido de apreender, receber ou manter na Cadeia Pública e na Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré ou em qulaquer de suas repartições, detido ou internado provisoriamente, qualquer adolescente acusado de prática de ato infracional, seja ele apreendido em flagrante, seja ele internado provisoriamente em razão de determinação judicial,; sob pena de, não o fazendo, imposição de multa diária de R$ 1.000,00 ( mil reais), a qual será revertida ao Fundo Estadual dos Direitos Difusos.
Ainda sob pena de multa diária, requer que a apreensão, detenção ou internamento provisório de adolescentes acusados de prática de ato infracional no Município de Almirante Tamandaré somente seja implementada em estabelecimentos nos moldes preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Caso a astreinte se mostre ineficaz, requeiro desde já, a prisão dos Secretários Estaduais de Segurança Pública e da Criança e da Juventude ou de qualquer outro servidor público, agente político ou não, que se opuser ao cumprimento da decisão judicial.
3 – A concessão de liminar, antecipando-se os efeitos da tutela, nos termos no artigo 273, I, do CPC, para determinar que o Estado do Paraná seja proibido de apreender, receber ou manter na Cadeia Pública e na Delegacia de Polícia de Almirante Tamandaré ou em qulaquer de suas repartições, detido ou internado provisoriamente, qualquer adolescente acusado de prática de ato infracional, seja ele apreendido em flagrante, seja ele internado provisoriamente em razão de determinação judicial; sob o pena de, não o fazendo, imposição de multa diária de R$ 1.000,00 ( mil reais), a qual será revertida ao Fundo Estadual dos Direitos Difusos.
Ainda sob pena de multa diária, em também em sede de antecipação dos efeitos da tutela, requer que a apreensão, detenção ou internamento provisório de adolescentes acusados de prática de ato infracional no Município de Almirante Tamandaré somente seja implementada em estabelecimentos nos moldes preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Caso a astreinte se mostre ineficaz, requeiro desde já, a prisão dos Secretários Estaduais de Segurança Pública e da Criança e da Juventude ou de qualquer outro servidor público, agente político ou não, que se opuser ao cumprimento da decisão judicial.

4 – A produção de todos os meios de prova admitidos em direito, em especial a inspeção judicial, o depoimento pessoal e provas documentais, testemunhais e periciais.
5 – A condenação do Estado do Paraná, ao pagamento das despesas processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deve ser determinado que seja feito ao “Fundo Especial do Ministério Público”, criado pela Lei Estadual nº. 12.241, de 28 de junho de 1.998, nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da Constituição do Estado do Paraná.            
    Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Almirante Tamandaré, 13 de agosto de 2010.

Fuad Faraj
Promotor de Justiça

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