por Zé da Silva
Sagitário
Era cercado de sorrisos e isso lhe fazia muito mal. Porque os sorrisos que o cercavam não eram reais. Estavam em bocas impressas ou filmadas. E eram brancos como os ossos dos cadáveres depois de tudo ser comido. Mas isso o atraía, principalmente os sorrisos dos anúncios. Ele não tinha como evitar. Aquilo era como o pior dos vícios, se é que existe algo assim. Ele olhava aquela alegria esfuziante e de cores berrantes e e, ao desviar o olhar, tudo era cinza, as pessoas tristes, suadas, fedidas, os dentes careados, ou um aqui e outro ali pendurados em gengivas cor de rosa. Ele mesmo não sorria, apesar de cuidar da dentadura natural. Tinha uma falha, sim, mas ninguém via, fruto de um boticão ensandecido que o atacou na adolescência. Talvez estivesse aí a chave. Talvez não. Fez um orçamento para o implante, mas nunca colocou em prática o projeto. No fundo tinha medo de não ficar mais mal diante dos sorrisos irreais.