por Zé da Silva
Libra
No cinema que chamavam de pulgueiro ele acompanhou o drama e assumiu o personagem. Era um distribuidor de cartas anônimas. Fazia isso para interferir na vida das pessoas e acompanhar de fora até que ponto poderia interferir no script que, quem sabe, era divino. Começou a se achar deus e o diabo na vila da terra batida nas ruas. Não tinha remorso porque não ameaçava ou entrava na seara de traições fictícias ou não. Enviava contos que imaginava durante a madrugada, mas cujos personagens eram aqueles que recebiam as correspondências. Fez isso praticamente com o bairro inteiro, durante anos. E quase nada aconteceu, apenas alguns comentários na padaria, na quitanda, no boteco da esquina. Mas um dia uma menina magrinha, de cabelos cor de ouro, fugiu de casa e descobriram depois que ela assumiu o personagem que recebeu. Ela foi atrás da vida de artista que o missivista anônimo pensou para ela. Fugiu com um malabares do circo mambembe. Nunca mais voltou. Não ficou famosa. Mas o autor que a criou tem certeza de que está feliz.