por Ferreira Gullar, na Folha de São Paulo:
Ao contrário dos que fingem que trabalham, Bernardinho trabalha; o técnico é exemplo para nós
NUM PAÍS onde impera a safadeza -onde se faz que faz, mas não faz, onde se faz comício para assinar contrato de obras que não serão feitas-, país que é, na verdade, a Sucupira de Odorico Paraguaçu, uma personalidade como Bernardinho, técnico da seleção brasileira de vôlei, tem que servir de exemplo. Ao contrário dos que fingem que fazem, ele faz; ao contrário dos que fingem que trabalham, ele trabalha; ao contrário dos enganadores irresponsáveis, ele é responsável, competente, dedicado inteiramente ao compromisso que assumiu. Um
exemplo para todos nós, cidadãos de Sucupira!
Fora isso, ele é mesmo um exemplo de técnico, um exemplo não só de dedicação, mas também de competência. Seria um absurdo atribuir simplesmente à sorte a quantidade de vitórias que conquistou, culminando agora com o nono título de campeão da Liga Mundial de Vôlei. Até domingo passado, o Brasil empatava com a Itália, de oito a oito. Com a vitória sobre a Rússia, ultrapassou os italianos.
No futebol, acho um exagero quando se atribui tudo ao técnico, se o time ganha
e, especialmente, quando perde: se perder várias vezes seguidas, dança. Acho
injusto, porque o jogo se decide no campo, não basta o técnico ser bom. Mas, e
no vôlei, o jogo não se decide na quadra? Por que então atribuir o êxito ao
Bernardinho?
O argumento é procedente: no vôlei, como no futebol, se ganha é jogando bem e
não é o técnico que joga por todos ali. Sim, mas há uma diferença, que tem a
ver com o tamanho da quadra de vôlei, muito menor que o campo de futebol e onde
há menos gente jogando. Daí a influência maior do técnico no resultado de uma
partida de vôlei.
É uma teoria, claro. Penso o seguinte: no vôlei, como há menos jogadores num
espaço menor, pode o técnico ter mais controle sobre as probabilidades das
jogadas, como atuará o adversário, que possibilidades tem de neutralizá-lo etc.
Já no futebol, com tantos jogadores em campo, deslocando-se num espaço enorme e
com muito maior liberdade, o grau de probabilidades é muito alto, e, por isso,
foge à previsão do técnico. É claro que, tanto num caso como noutro, o talento
dos jogadores é decisivo, uma vez que, com maus jogadores, nenhum técnico
montará um time vencedor, tanto no futebol quanto no vôlei.
Mas é impossível ignorar que, numa disputa como esta da Liga Mundial de Vôlei,
que o Brasil acaba de vencer, em que todos os times são excelentes e os
jogadores, do mais alto nível, por que, então, o Brasil vence sempre? E mais:
o time que venceu domingo passado era quase todo de novos jogadores. Se os
jogadores mudaram e o time continuou vencendo, temos que reconhecer que o
craque maior desse time é mesmo o Bernardinho.
E já que falei em Sucupira e em Odorico Paraguaçu, é quase inevitável
perguntar: e se o Bernardinho se candidatasse a prefeito ou governador? Nem
pensar!
A análise que fiz, comparando futebol e vôlei, vale muito mais para a política:
aqui, não só o campo de atuação é muito maior, o número de “jogadores” também
é maior. Neste jogo, ninguém obedece às regras: pelo contrário, está todo
mundo a fim de burlá-las. Vence quem “dribla” mais…
E já que falei em Sucupira e Odorico Paraguaçu, falo agora de “Odorico, o
Bem-Amado”, peça de Dias Gomes, que, depois de enorme sucesso na televisão,
chega agora ao cinema. Fui ver o filme dirigido pelo talentoso Guel Arraes e
me diverti muito. O Zeca Diabo, de José Wilker, está genial.
E durante o tempo todo me lembrava de meu amigo e parceiro, um de nossos
maiores dramaturgos que, morto, não tem recebido as homenagens que merece,
embora os personagens que criou tenham se incorporado à nossa vida. Há, no
Rio, cidade onde viveu quase toda a sua vida, algum teatro, alguma rua, algum
beco, com seu nome?
Não, mas há uma estátua do grande Ibrahim Sued, na avenida Atlântica. E por
que a TV Globo, quando se refere a suas novelas e minisséries, não lhe cita o
nome? É que a TV Globo as escreveu, virou dramaturga?
Mistérios difíceis de decifrar. E agora o “Bem Amado” se torna filme, mas
aparece como sendo “baseado na obra de Dias Gomes”. Baseado?! A história é a
mesma, os personagens os mesmos, as falas as mesmas, as piadas as mesmas, a
trama a mesma, o desfecho o mesmo. Quem é então o autor?.