11:00A tortura da tortura

Do jornal Gazeta do Povo, e reportagem de Themys Cabral:

Tortura persiste no Brasil
Relatório da Pastoral Carcerária mostra que prática ainda é generalizada no país e que policiais e agentes penitenciários são os principais agressores

 A tortura é prática sistemática e generalizada no país ainda. É o que aponta o Relatório sobre Tortura: uma Experiência de Monitoramento dos Locais de Detenção para Prevenção da Tortura, elaborado pela Pastoral Carcerária e que será lançado nesta segunda-feira, em São Paulo. O documento mostra que juízes e promotores resistem em combater as violações e as denúncias dos presos raramente são levadas a sério. A Pastoral Carcerária registrou, entre 1997 e 2009, 211 casos de tortura em 20 estados brasileiros, sendo o maior número em São Paulo (71), Maranhão (30), Goiás (25) e Rio Grande do Norte (12). No Paraná, foram sete casos. Do total de casos registrados no país, em 21 a violência levou o agredido à morte.

O relatório mostra, ainda, que a cada dez casos registrados pela entidade, apenas em quatro foi tomada alguma providência pelas autoridades. “Há a ficção de que tudo que o agente público fala é verdade e de tudo que o preso fala é mentira. Há a ideia de que a tortura é correta e que, se o preso não quisesse passar por aquilo, não deveria ter cometido o crime”, afirma o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho.

As violações registradas acontecem em maior parte nas carceragens de delegacias e em penitenciárias. Contudo, há casos de violência em residências e até na rua. A Polícia Militar e os agentes penitenciários são apontados como os principais autores das agressões. “Vemos uma continuidade do regime militar nessas ações”, comenta Jesus Filho. “Vivemos numa sociedade que legitima a tortura, numa sociedade vingativa que não conhece o Estado Democrático de Direito”, complementa.

Impunidade

O documento contém um trecho da pesquisa da coordenadora-geral da Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura (Acat-Brasil), Maria Gorete de Jesus. A entidade analisou 51 processos criminais de tortura na cidade de São Paulo, no período de 2000 a 2004. Dos 203 réus, 127 foram absolvidos, 33 foram condenados por tortura e 21 por outros crimes (lesão corporal ou maus-tratos). Ou seja, o porcentual de condenação não chega a 30%. Dos 203 réus, 181 eram agentes do Estado. Entre os 12 civis acusados, a metade foi condenada.

Segundo o documento, nos casos de tortura envolvendo agentes do Estado, a produção de provas é frágil e o corporativismo policial interfere diretamente na apuração das denúncias. “Nas sentenças é comum encontrar questionamentos quanto às lesões constatadas na vítima, colocando em dúvida não somente a palavra da pessoa agredida, mas também a autoria do crime. Chega-se ao ponto de dizer que a própria vítima teria sido responsável pelos ferimentos”, diz o texto.

Os dados contidos no relatório foram levantados por cerca de 5 mil agentes da Pastoral Carcerária, que semanalmente vão aos presídios levar assistência religiosa aos encarcerados. As denúncias de tortura são feitas por presos, parentes e até mesmo pelos próprios agentes penitenciários. Com o documento, a Pasteral Carcerária tenta pressionar a criação de mecanismos de controle e prevenção de tortura.

ONU

Um dos objetivos do Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tra­ta­­mentos ou Penas Cruéis, Desu­­manos ou Degradantes, ratificado pelo Brasil em 2007, é implementar um Mecanismo Nacional de Prevenção e Com­­bate à Tortura. Tal mecanismo deveria ter sido criado ainda em 2007. Mas, depois de três anos, o anteprojeto ainda não foi encaminhado ao Congresso Nacional.

Além desse mecanismo de controle de tortura, o relatório ainda sugere a criação de uma delegacia própria para apuração de casos de tortura, criação de um banco de dados para registros de denúncias, colocar a gestão prisional exclusivamente sob o controle de civis, proibir a vistoria e revista nas unidades prisionais por policias militares, entre outros.

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“No dia 3 de outubro de 2006, o detento R.A.S. teria sido submetido a intenso sofrimento físico e mental aplicado como forma de castigá-lo por tentativa de fuga, pelos chefes de segurança do Centro de Detenção Provisória, localizado em São José dos Pinhais. As denúncias foram realizadas por alguns funcionários da unidade, dizendo que a tortura naquele estabelecimento era comum (…). O agente penitenciário que denunciou as torturas sofreu ameaças e perseguições, tendo que ser inserido num programa de proteção a testemunhas.”

Fonte: Relatório da Pastoral Carcerária.

“Nos dias 7 e 8 de março 2006, a Pastoral Carcerária realizou visitas à Cadeia Pública de Maringá e constatou uma série de violações cometidas contra os presos. O caso mais grave teria ocorrido com o detento J.G.M., que teria ficado na cela disciplinar logo após ter sido torturado por policiais civis durante o translado do Hospital à Cadeia Pública de Maringá (…). Durante a visita, os agentes de Pastoral identificaram adolescentes detidos na Cadeia e que também apresentavam marcas de agressão.

Fonte: Relatório da Pastoral Carcerária.

“Há a ideia de que a tortura é correta e que, se o preso não quisesse passar por aquilo, não deveria ter cometido o crime. Vivemos numa sociedade que legitima a tortura, numa sociedade vingativa que não conhece o Estado Democrático de Direito.”

José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária.

“O preso L.B.S. foi agredido fisicamente na Delegacia Alto Maracanã, em Colombo, e recebeu em seu braço, com fio de eletricidade, a inscrição X9 – na gíria prisional significa delator. Além disso, foi introduzido um cabo de vassoura em seu ânus, uma esponja em chamas em suas nádegas e teve queimaduras de cigarro pelo corpo. Os mau-tratos permaneceram por cerca de dez dias sem que nenhuma autoridade pública notasse.

Fonte: OAB-PR .

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