7:05Tribunal de Justiça e irregularidades

Da Gazeta do Povo, em reportagem de Euclides Lucas Garcia:

TJ é o 6.º tribunal do país com mais comissionados irregulares
Judiciário do Paraná tem 71,9% dos cargos em comissão ocupados por servidores que não são concursados, o que contraria norma de que o máximo seja 50%

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), instância judiciária mais alta no estado, é a sexta corte estadual do país com o maior porcentual de cargos comissionados ocupados por funcionários sem qualquer vínculo com a administração pública ou com a Justiça. Atual­­­mente, 616 das 858 vagas comissionadas do TJ (71,9% do total) são ocupadas por pessoas nomeadas livremente por magistrados ou chefes de setor. O restante é ocupada por servidores concursados, que receberam o cargo em comissão para prestar serviço de direção, chefia ou assessoramento.

O porcentual de comissionados sem vínculo com o Judiciário fere norma estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fixou em 50% o limite para livre nomeação dos cargos em comissão. O prazo para que o TJ se adeque à regra se encerra amanhã.

O descumprimento da regra do CNJ é uma das 113 irregularidades identificadas pelo conselho no TJ do Paraná, relatadas em um relatório divulgado em 30 de junho.

A determinação para cumprir o porcentual de 50%, até o dia 30 de julho (amanhã), consta do relatório do CNJ feito com base na inspeção realizada no Judiciário paranaense em novembro do ano passado. A medida se baseia na Reso­­­lução 88 do conselho, editada em 8 de setembro de 2009, segundo a qual pelo menos a metade dos cargos em comissão deve ser destinada aos servidores efetivos do Poder Judiciário.

No TJ paranaense, porém, esse limite está extrapolado em quase 22%. A pior situação foi encontrada pelo CNJ em Alagoas, onde 92,32% dos comissionados do TJ local não têm qualquer vínculo com o órgão. Os casos se repetem em outros 10 tribunais estaduais do país.

Outro problema detectado no TJ do Paraná é a existência de comissionados em vagas que não podem ser ocupadas por cargos em comissão. Isso porque a Lei Estadual n.º 16.024/2008 lista cerca de 20 cargos que, obrigatoriamente, devem ser preenchidos por servidores efetivos do Judiciário. Apesar disso, o CNJ detectou casos no Paraná em que vagas de assistente social e auxiliar de cartório – que estão enquadradas na Lei 16.024 – são ocupadas atualmente por funcionários comissionados.

Diante da irregularidade, o conselho também deu prazo de 30 dias para o TJ passar a cumprir a legislação e exonerar os servidores que ocupam funções comissionadas vedadas pela lei. De acordo com a Resolução 88 do CNJ e com a própria Constituição Federal, somente funções de chefia, direção e assessoramento podem ser preenchidas por funcionários comissionados.

Lista de falhas

Além dos indícios de irregularidades relacionados à nomeação de comissionados, o CNJ identificou outras 112 falhas no TJ paranaense – apenas uma única boa prática foi detectada. Um dos principais problemas diz respeito a remuneração indevida – benefícios irregulares ou discrepância de salários entre servidores com a mesma função.

A situação mais grave é o pagamento da Gratificação de Tempo Integral de Dedicação Exclusiva (Tide), que em outubro de 2009 beneficiava 31,6% dos 4,5 mil servidores do TJ. A despesa naquele mês totalizou R$ 1,9 milhão, o equivalente a 7% do gasto com pessoal.

“Constatou-se que a concessão da Tide pode ser realizada indiscriminadamente”, afirma o relatório do CNJ assinado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp. Foi observado que mesmo os comissionados – que pela natureza do cargo devem estar integralmente à disposição da administração – recebem essa gratificação.

Por causa dessa situação, o CNJ propôs um procedimento de controle administrativo específico para examinar o pagamento da gratificação e solicitou à Pro­­­curadoria-Geral da República que examine a constitucionalidade da Tide.

Na semana passada, porém, o TJ decidiu expandir o pagamento da Tide e anunciou que 1,2 mil servidores passarão a receber o benefício a partir de agosto. De acordo com o tribunal, a medida tem o objetivo de “proceder ao nivelamento da mencionada gratificação entre os funcionários dos níveis básico e intermediário”.

Revoltado com a posição do TJ, o Sindicato dos Servidores do Judiciário (Sindijus) decretou estado de greve até o dia 6 de agosto. A entidade justificou a decisão alegando que o tribunal deu “tratamento diferenciado” aos auxiliares administrativos, que têm salário bruto de R$ 1,2 mil e vinham negociando a concessão da gratificação para a categoria. Mas os auxiliares acabaram sendo preteridos pelos servidores das secretarias do tribunal – que serão contemplados com o pagamento da Tide.

Outra situação grave identificada pelo CNJ no TJ é a concessão indevida de encargos especiais. O relatório cita que a vantagem deveria ser restrita aos servidores que prestassem assessoria direta à presidência do TJ, à vice-presidência, à corregedoria e aos desembargadores, conforme a Lei Estadual n.º 6.174/1970. Entretanto, a inspeção na Justiça Estadual revelou que há 1,9 mil servidores recebendo a gratificação, totalizando R$ 2,5 milhões por mês.

Além disso, o adicional por risco de vida, previsto no artigo 172 das leis estaduais n.º 6.174/1970 e n.º 16.024/2008, tem de ser restrito a algumas categorias. Entretanto, 44,3% dos servidores do TJ recebem a gratificação. O CNJ também questiona o pagamento de verba de representação aos assessores jurídicos. No entendimento do conselho, o TJ deveria ter suspendido essa gratificação em 1990.

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Tribunal admite “distorções” e diz que irá corrigi-las, mas não no prazo

TJ-PR admitiu em nota oficial a existência de “distorções” na nomeação de comissionados sem vínculo com o órgão e garantiu que estudos estão sendo feitos para corrigi-las. Mas o tribunal informou que “não há como dar, imediatamente, uma solução adequada [para o problema], sob pena de prejudicar a prestação jurisdicional”. Ou seja, o TJ admite que não conseguirá cumprir a determinação do CNJ de regularizar a situação até amanhã. Quanto às 113 exigências do CNJ, o TJ disse que tomará medidas para atender às determinações.

Questionado sobre a situação dos comissionados no Judiciário paranaense, o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), juiz Gil Francisco Xavier Guerra, saiu em defesa do TJ. Segundo ele, o tribunal agia dentro da legalidade até o CNJ “taxar como irregular [o porcentual de comissionados]”.

Para Guerra, o conselho tomou como base para a medida a estrutura da Justiça Federal, que é “infinitamente menor” que a dos estados. “É lamentável que o CNJ tenha partido de um erro para tentar aplicar um mesmo modelo nos estados. Na verdade, deveria haver um estudo individualizado por estado”, criticou. “Hoje, é impraticável cumprir essa resolução no Paraná. Isso depende do aumento no quadro de pessoal. Do contrário, vão faltar funcionários em determinados setores.” Guerra disse ainda que comissionados não geram vínculos futuros que comprometam os recursos do estado, como gastos com pensão e aposentadoria.

Já o coordenador-geral do Sindicato dos Servidores do Judiciário (Sindijus), José Roberto Pereira, defendeu a realização de concurso público para o cumprimento dos 50% legais exigidos pelo CNJ na nomeação de comissionados. “Esperamos que o TJ corrija isso e dê oportunidade para os concursados atingirem cargos de chefia e comissão. Exigimos apenas o que diz a lei”, afirmou. “Além disso, os comissionados já entram contemplados por gratificação, enquanto os servidores efetivos demoram anos para conseguir esse benefício. É uma situação de privilégio com a qual não podemos concordar.”

Pereira criticou ainda a “falta de conhecimento e de preparo” dos comissionados ao assumir o cargo no TJ. Na visão dele, funcionários sem vínculo com o órgão “acabam tendo de aprender a função a toque de caixa”. “Eles não conhecem a realidade do Judiciário e não estão preparados para a função como um servidor efetivo estaria”, argumentou. “Isso pode gerar prejuízos para os servidores e para a população em geral. Quem pode garantir que não há pareceres elaborados por comissionados a partir de questões não apenas técnicas e jurídicas?”

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