18:29HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Escorpião

Meteu o pé no freio, jogou o carro para a direita e parou no acostamento com o coração descompassado. Não pela manobra. Pela voz. Que saía pelos alto-falantes do carro velho. Rádio. AM. Estava naquela reta sem fim em algum ponto entre Belém e Brasília. Logo chegou à cidade e foi descobrir onde era a emissora. Se hospedou num hotel sem categoria. A escada para subir ao quarto era de madeira e estava podre e adernada. Subia e descia atravessado. A rádio ficava em cima de um boteco sórdido, onde a maior atração eram os ovos coloridos e as linguiças boiando em banha velha. Ninguém conhecia a dona da voz. Recebiam a gravação do programa. Pelo correio. Era de graça. Para que saber quem era. A voz recitava frases e poemas de amor. Belíssimos. E apresentava músicas que mexiam com o coração dos apaixonados. Lhe contaram que foi mais famosa. Tanto que, durante um tempo, até reproduziam o programa no serviço de alto-falante do parque de diversões. Depois, tiraram. O programa não tinha hora para ir ao ar. Mas era sempre na sexta-feira. Ele foi atrás do envelope e não achou nem nome, nem endereço da remetente. No programa ela também não revelava a identidade. Ele foi ficando por ali. Um dia descobriu que não estava só. Havia mais pessoas que pararam pela voz no rádio. Gente com mais de ano naquele fim do mundo. E o grupo, de meia duzia, se revezavam para saber a hora em que o programa ia ao ar. E aí se comunicavam. E todos ouviam aquela voz, aquelas músicas, aquelas mensagens de amor. Ele não quis entrar no grupo. Se o fizesse, jamais sairia dali. Botou o carro na estrada num dia quente e abafado. Rodou mil quilômetros de uma vez. Parou numa cidadezinha onde havia apenas uma fileira de casebres de cada lado da rodovia. Achou um canto para descansar. Antes de dormir, ouviu uma voz. Era ela. Num radinho bem perto, mas distante.

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