por Zé da Silva

Áries

Começou a gostar do frio sem saber. O frio tomou conta num inverno qualquer, quando existia inverno e as outras estações. Antes de chegar na terra gelada seu uniforme de trabalho era calção e sandália de dedo. Beira-mar, sol o ano inteiro, Nordeste. Resolveu botar a mochila nas costas por causa de uma loucura em forma de mulher. Era melhor chispar do que morrer na ponta de uma peixeira. Foi para o lugar que combinasse com sua alma e coração. Pedra de gelo. Imaginava que, assim, combinaria o por dentro e o por fora e recuperaria a felicidade normal que tinha até aquele dia em que viu o rabo e a saia. E acertou, depois de um sofrimento que o fez esquecer o tormento de uma paixão que só ele sabia. Foi então que passou a diminuir as roupas que o aqueciam na medida em que a temperatura despencava. Fazia questão de tomar banho frio e quase teve um ataque cardíaco quando leu sobre o ator famoso que todo dia entrava na banheira com água fria e centenas de pedras de gelo. Morava num apartamento pequeno. Não tinha banheira, mas passou se banhar de canequinha da água tirada do balde de alumínio onde as pedras de gelo flutuavam. Se sentia tão bem que num dia onde anunciavam ser o mais frio de não sei quantos anos, foi para a serra para mergulhar nas águas cristalinas e gélidas de um córrego que serpenteava entre as pedras. Fez isso. Não ficou contente. Resolveu subir até o pico. Só de calção. O encontraram 48 horas depois. Roxo. No bolso do calção, dentro de um plástico, havia uma papel dobrado. Lá estava escrito, em vermelho: “Eu amo”.