por Zé da Silva
Câncer
O outro apontou a arma no meio do salão. Não era filme, nem história em quadrinhos. Era real e a festa era no clube do bairro. Ele ficou parado e tranquilo como nunca acontecera antes. Olhou para o tambor do 38. Sim, havia balas. Em volta, as pessoas também estavam congeladas no tempo. Ele viu o outro pressionar o gatilho, o tambor girar e um som seco. Não era explosão. O tiro falhou. Houve um tumulto. Alguém pulou em cima do outro e lhe tirou o revólver da mão. Então ele começou a tremer. Um dia lhe falaram que uma bala chegando ao corpo é como um soco bem dado. Onde ela entraria? Sobreviveria? Saiu dali e andou quilômetros pensando na vida. Fazia muito frio. Ele nunca mais foi a festas daquele tipo. Anos depois, casado, com filhos, ia a comemorações de aniversários dos filhos dos amigos e coleguinhas dos seus. Mas era inevitável: no salão, em qualquer salão, sempre via a bala, o tambor girando e o som seco do tiro que falhou.