Há um cio vegetal na voz do artista.
Ele vai ter que envesgar seu idioma ao ponto
de alcançar o murmúrio das águas nas folhas
das árvores.
Não terá mais o condão de refletir sobre as
coisas.
Mas terá o condão de sê-las.
Não terá mais ideias: terá chuvas, tardes, ventos,
passarinhos…
Nos restos de comida onde as moscas governam
ele achará solidão.
Será arrancado de dentro dele pelas palavras
a torquês.
Sairá entorpecido de haver-se.
Sairá entorpecido e escuro.
Ver sambixuga entorpecida gorda pregada na
barriga do cavalo –
Vai o menino e fura a sambixuga:
Escorre sangue escuro do cavalo.
Palavra de um artista tem que escorrer
substantivo escuro dele.
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus
limites, de suas derrotas.
Ele terá que nevesgar seu idioma ao ponto de
enxergar nho olho de um garça os perfumes do
sol.
de Manoel de Barros
Manoel de Barros é ancorado em uma imaginação que transcende o lirismo, riquíssimo em neologismos, sinestesias, oximoros, prosopopeias, anacolutos etc. Barros condiciona diferentes figuras de linguagem em suas poesias, mas sempre evidenciando pequenas avaliações sobre si e sobre a natureza.