20:27HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Touro

Há uma semana estava no barco no meio daquele povo amazônico. Carregava uma mochila com algumas camisetas e uma calça, e um saco de dormir. Só abria a boca para comer o macarrão de sempre e nacos de carne dura. Olhava para o rio-mar e não entendia porque na embarcação não serviam peixes. Estava tentando fugir. Antes viajara dias de ônibus deste a cidade louca e poluída. Não sabia o que fazer e era cobrado por isso. Principalmente por ele mesmo. Sumiu sem avisar. Olhou o mapa e viu na imensidão do Norte uma tentativa. Era covarde para o suicídio. Era pobre para a terapia. Era ateu. Dormia embaixo das redes e só ouvia o som do motor à diesel. Se encantou com o véu da chuva vista de longe. E com o rasgo de prata que um dia a lua cheia fez na superfície negra da água. Mas foi coisa fugaz. O nó no peito sufocava. Até aquela tarde em que viu a casinha na margem. Verde como a floresta que a protegia. Um ponto no meio entre o oceano de água doce e o oceano de folhas, troncos, bichos. Saltou na água sem pensar em nada. Nadou contra a correnteza. Era ali. Tinha de ser ali. Se conseguisse vencer a correnteza forte. Ninguém sabe de chegou lá. Nunca mais mandou notícias. Mas tentou. Foi o primeiro ato convicto de uma vida cinza.

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