por Zé da Silva

Sagitário

A água fervendo caiu sobre o lado esquerdo do corpo. Menino, tinha se esticado todo para alcançar o cabo da panela. Os gritos invadiram a minúscula cozinha, a casa, o quintal, a rua, o bairro, a cidade, o Estado, o país, o mundo, o Universo e Deus não deixou poucas marcas no corpo dele. Mas algo aconteceu. O menino passou a amar o fogo que queima. E queimava tudo que podia, quando tinha fósforos nas mãos ou se descuidavam do fogão. Ele voltava a se esticar e acendia qualquer papel, inclusive páginas de livros e cadernos escolares. Um dias quase incendiou a casa nova a partir da cortina de plástico do box. De repente, contudo, parou. Cresceu, tentou apagar os demônios internos com álcool, sobreviveu e estava bem tranquilo até o dia em que a chama voltou a lhe atormentar a alma e o cérebro. Precisava ver e sentir labaredas gigantes. Sabia de uma grande mata seca. Foi para lá. O plano era tocar fogo e ver tudo de dentro. Entrou. Achou um lago que era tão azul que os olhos doeram. Arrancou as roupas. Mergulhou. Nadou. Saiu. Se sentiu batizado. Não tinha mais o pecado maior. Apagado para sempre.