10:24TJ erra ao condenar menor, mas nega pagamento de indenização

Da Folha de Londrina, em reportagem de Ro­sia­ne Cor­reia de Frei­tas:

Jus­ti­ça do Pa­ra­ná con­de­na me­nor a 14 ­anos de pri­são
TJ ne­ga in­de­ni­za­ção a jo­vem por con­si­de­rar que ele con­tri­buiu pa­ra o er­ro na ex­pec­ta­ti­va de ser beneficiado

No dia 12 de outubro de 1998 um senhor de 79 anos foi morto a chutes e pontapés na casa em que morava, em Rio Branco do Sul (Região Metropolitana de Curitiba). Um grupo de rapazes queria roubar os R$ 600 da vítima. Três anos depois três homens foram condenados pelo crime em sentença emitida pelo juiz substituto Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, entre eles Mauro (nome fictício). Ele tinha 17 anos e nove meses na ocasião do assalto que resultou na morte do idoso e foi condenado a 14 anos de prisão e 30 dias-multa, apesar da Constituição Brasileira determinar que menores de 18 anos são inimputáveis. Mauro pediu à FOLHA que sua identidade fosse preservada por medo de retaliações.

O erro na condenação do então adolescente como adulto foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná em 2006. Em acórdão assinado pelo desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa o Tribunal admitiu que o processo criminal contra Mauro é nulo ”visto que o réu era inimputável na época dos fatos”. A lei brasileira considera inimputáveis todos as crianças e adolescentes com idade menor de 18 anos. Entre a condenação e a decisão do TJ, o rapaz ficou três anos na prisão.

Apesar do equívoco e da ilegalidade da condenação, o Tribunal negou ao jovem o direito a indenização. Segundo o acórdão do caso, o erro do Judiciário ”não foi isolado” e a menoridade do rapaz não foi arguida pela defesa. Além disso o relator do caso sugeriu que a ausência da questão da maioridade no processo poderia ser fruto de má-fé do réu, que poderia estar interessado em obter a indenização.

Para a secretária da Comissão da Criança e do Adolecente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraná (OAB-PR), Maria Christina dos Santos, um caso desses ”é de se lamentar”. ”É um tremendo equívoco da Justiça que certamente causou um dano irreparável na formação dele”, defende. Segundo Maria Christina, a determinação da inimputabilidade está na Constituição Federal. Como menor de 18, Mauro deveria ter sido atendido pela Vara de Juventude e, se necessário, encaminhado para cumprir medida socioeducativa. ”No caso dele não importa a idade que ele tem na condenação, e sim a idade que ele tinha no momento da conduta. Como adolescente ele nunca deveria receber condenação penal”, alerta.

A FOLHA entrou em contato com vários dos envolvidos no processo contra Mauro. No TJ, a informação é de que o órgão não comenta decisões proferidas pelos magistrados. O juiz Marcel Guimarães Rotoli de Macedo não foi localizado na semana passada. Ontem, a reportagem contatou a assessoria do magistrado e adiantou o assunto. Mas não houve retorno. O Ministério Público do Estado informou, em nota, que o TJ não identificou ”má-fé, seja do juiz, seja do promotor de Justiça ou seja do próprio advogado de defesa”.

Co­nan­da ques­tio­na sis­te­ma

O erro cometido por juízes, promotores, policiais e advogados no caso de Mauro levanta a suspeita sobre a qualidade do trabalho de investigação criminal no Paraná. A opinião é do advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Movimento Nacional de Direitos Humanos. ”Um sistema que sequer consegue verificar a idade do acusado, imagine se tem condições de garantir a qualidade das provas e depoimentos?”, questiona.

Para Alves, a responsabilidade pela conferência dos dados do réu era tanto da autoridade policial quanto dos membros do Ministério Público e da Justiça envolvidos. ”A autoridade tem o dever de agir, mesmo que a defesa não tenha arguido a minoridade do rapaz”, defende. O advogado diz que o caso é emblemático. ”O Tribunal de Justiça deve determinar a investigação para estabelecer onde ocorreu o erro. Todas as pessoas que contribuíram para que ele acontecesse estão sujeitas a sanções”, aponta. (R.C.F.)
Pro­ces­so mar­ca­do por fa­lhas
 A história de como Mauro (nome fictício) foi preso e condenado como adulto quando tinha direito de ser tratado como adolescente é uma sequência de erros, não só do TJ. Começou na delegacia de Rio Branco do Sul. No boletim de ocorrência do caso consta que ”os denunciados (Mauro e Orlei José Martins) acompanhados dos adolescentes A.V., de 16 anos e O.F., de 14 anos” teriam participado do crime. Mauro não foi identificado como menor de 18 anos, apesar de ter informado sua data de nascimento e fornecido o documento de identidade.

No entanto, Mauro foi interrogado novamente na Delegacia da cidade mais tarde, por conta de outro crime ocorrido em 11 de dezembro de 1998, portanto quando ele ainda era inimputável. Nessa ocasião, a condição dele de menor de idade foi reconhecida pelo delegado. Na conclusão desse inquérito, o delegado José Sudário da Silva considera que ”Mauro era menor inimputável à época dos fatos”. O rapaz foi inocentado dessa acusação.

Os advogados que representaram Mauro também não chamaram a atenção da Justiça para a situação dele. Durante o processo o jovem informou que nasceu em 1981 (e tinha, portanto, 17 anos na época do crime) inclusive no depoimento que prestou ao juiz Mauro Bley Pereira Júnior. A informação está na transcrição do depoimento, anexo ao processo. Na ocasião, Mauro negou ter participado do crime. (R.C.F.)

Jo­vem que­ria pro­var que era ino­cen­te
Para Mauro, que hoje está em liberdade condicional (ele foi condenado por outro crime em 2002), até hoje essa história de inimputabilidade é confusa. ”Eu era inocente. Queria provar que era inocente. Conhecia eles (os outros rapazes acusados de participar do crime), mas não tive nada com isso não”, relata. Segundo Mauro, a ideia de dizer que era menor de 18 anos nem passou pela cabeça dele. Ele queria mesmo era provar que não tinha a ver com a morte do idoso.

Os três anos que passou a mais na cadeia por conta da condenação equivocada trouzeram prejuízos irreparáveis. Em 2002 ele perdeu a chance de acompanhar o nascimento do filho. ”Fui ver ele com cinco anos”, conta. Mauro também deixou de conviver com o pai, que faleceu em 2009.

”O pai sofreu muito. Ele fez de tudo para tirar o filho da cadeira”, lembra a irmã de Mauro, Fernanda (nome fictício), 17 anos. O pai do rapaz foi varredor da Cavo (empresa de limpeza pública em Curitiba) e estava aposentado quando o filho foi preso. Hoje Mauro ajuda a sustentar a mãe, que não pode trabalhar por conta das sequelas de um derrame, a irmã além da esposa dele e o filho.

À FOLHA Mauro pediu para não ser exposto. Teme envolvimento com a polícia. ”Estou terminando de pagar minha liberdade provisória”, diz. Ele nega ter participado dos três crimes dos quais foi acusado. (R.C.F.)

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