7:33Sim, eu posso, Paul McKenna

por Rogério Pereira (http://vidabreve.com/)

Ilustração: Ricardo Humberto

Adeus, penúria. Deixo para trás uma vida de lamentos e dívidas. Uma nova era me aguarda. Agora, nada me impedirá de ser feliz. Um novo homem — mesmo que amparado pela carcaça magricela e desengonçada — está prestes a nascer. Hoje, segunda-feira, irei ao banco, encararei o gerente e, sem tremer a voz, gritarei: “Paul McKenna me salvará”. Eu o conheci num momento de desespero e angústia. De passagem por Congonhas, rumei para o único lugar capaz de me causar algum conforto antes de embarcar no avião, este animal que tanto me apavora: a livraria. Levava na bolsa Vida secas, de Graciliano Ramos. A leitura — em especial o capítulo Baleia — jogava-me no eterno abismo que tanto me atrai. Diante das prateleiras, pensava na pergunta que certamente me fariam na palestra na universidade: “Para que servem a literatura e os livros?”. Pensando nisso, admirando a profusão de obras, desconhecendo as cores das capas, encontrei o meu salvador: Paul McKenna.

É, sem dúvida, uma pessoa confiável. Pelo menos na aparência. Naquela tarde, usava roupas de corte perfeito: terno de risca de giz e camisa italiana, sem gravata. Os óculos, de aros grossos, davam-lhe jovialidade. A boca cerrada parecia dissimular a satisfação dos homens bem-sucedidos. Não sei se por desespero ou encantamento, não resisti. Acariciei Vidas secas, joguei-o no fundo da bolsa e agarrei com as duas mãos Eu vou te enriquecer, de Paul McKenna. Nervoso, dirigi-me ao caixa. Ao perguntar o preço, relutei. Mas não poderia voltar atrás. Minha salvação custaria apenas R$ 44,90. Impaciente, a moça do caixa perguntou: “Vai levar?”. O “sim” saiu-me estrangulado, envergonhado. Estendi-lhe o cartão. Ela: “Crédito ou débito?” Minhas mãos suavam e consegui responder um trêmulo “crédito”. Alguém que compra um livro chamado Eu vou te enriquecer não tem condições de pagar nada à vista.

No avião, a caminho de Florianópolis, pensei em começar a ler o livro de McKenna. Quanto antes melhor. No entanto, desisti. Queria o conforto de casa para iniciar o plano da minha total reconstrução. Continuei a acompanhar aqueles pobres diabos de Vidas secas, gente desgraçada, sofrida, naquele fim de mundo. Que coisa mais sem importância! Chega disso. Agora, só riqueza e conforto. Nada de seca e miséria. “Fatura e fortuna” é o meu lema a partir da leitura de Eu vou te enriquecer. Portanto, sai de cena Graciliano, entra Paul McKenna.

A casa vazia, silenciosa, no fim de domingo, um jogo qualquer na televisão sem volume: o cenário ideal para iniciar a grande metamorfose. Antes, certifico-me de que McKenna é necessário. Acesso o site do banco, consulto o saldo. Uma leve taquicardia invade-me. Amanhã, irei falar com o gerente, pedir um empréstimo. Juros de quase 90% ao ano. Parcelarei em 12 vezes. É uma medida preventiva. Enquanto isso, terei tempo e paz para ler, com toda a atenção deste mundo, as quase 300 páginas de Eu vou te enriquecer. Nada de pressa. Se demorei quase 40 anos para ser um homem falido, não me custam alguns dias de leitura atenta e dedicada deste guru chamado Paul McKenna. Começo pelos detalhes. Na contracapa, leio em êxtase: “Não me importa qual é a sua situação financeira atual — os obstáculos que está enfrentando ou os desafios com que teve de lidar no passado. Quer você tenha muito ou pouco dinheiro, pode mudar sua vida e seu futuro financeiro a partir de hoje”. Uma agradável sensação de segurança me rodeia. Parece que McKenna fala comigo, fala para mim. Parece que me conhece, que somos grandes amigos. Não gosto muito do estilo. Mas, convenhamos, estilo tem o Machado de Assis. O resto é bobagem. E ele, ao que consta, não acabou a vida com muito dinheiro no bolso. Dane-se o Machadinho.

Na orelha, McKenna me anima ainda mais, torna-se um verdadeiro amigo. Ele garante que seu livro “oferece uma abordagem original sobre nossa relação com o dinheiro, ao mesmo tempo em que propõe exercícios para aumentar o saldo da sua conta bancária”. Uma sensação de alívio e paz percorre todo o meu corpo: “aumentar o saldo da sua conta bancária”. Nunca me senti tão feliz ao ler algo impresso num livro. Eis a verdadeira utilidade dos livros. Nunca mais obras sobre misérias, angústias existenciais, amores, guerras, traições. Fora Graciliano, Machado, Raduan, Vila-Matas, Cortázar, Pessoa, Quintana e tantos outros inúteis que me fizeram perder tempo na vida. Como pude ser tão tolo durante tanto tempo. Poesia? Inútil. Crônica? Bobagem. Romance? Coisa de vagabundo. Contos? Só para desocupados. Paul McKenna, você é o cara.

Mas logo de início, a leitura começa a me incomodar. Não aquele incômodo causado pelo sofrimento da Baleia de Graciliano. Coisa muito diferente. No prefácio, Sir Richard Branson, fundador do Virgin Group (o que será isso, meu deus?), diz que “você (eu, no caso) precisa ser rico em felicidade, amizade, saúde e ideias”. Não me acho infeliz. Endividado é diferente de infeliz, certo? Tenho amigos. Poucos, é verdade. Mas grandes amigos. Minha saúde é razoável, sem grandes percalços. Ideias não me faltam. Muitos me dizem que se ganhasse pelas ideias (a maioria risível, aviso), estaria rico. Será isto: vender ideias para enriquecer e ganhar um café menos morno do gerente de banco? Ainda no prefácio, sou alertado de que “as ideias podem surgir a qualquer momento, em qualquer lugar e, frequentemente, quando menos se espera”. Posso parecer, mas não sou idiota (acho). Este prefácio me deixa um pouco encafifado. Prefiro ignorá-lo e adentrar logo a sabedoria de McKenna.

Lá, encontro a primeira frase: “Você está prestes a se tornar rico!”. O ponto de exclamação, de alguma maneira, me faz feliz. Em seguida, a expressão “atitude mental mais rica”. Sigo com ânsia. Devoro tanta sabedoria. “Basta seguir minhas instruções e sua vida começará a mudar para melhor.” Sim, McKenna, eu seguirei. Preciso ter “atitude mental de rico”. Sim, Mckenna, eu terei. Aprendo que possuo “uma mente criativa e um dia de 24 horas”. Como assim? Isso, eu sempre soube. Só um completo imbecil (este não é o meu caso, acho) não sabe que o dia tem 24 horas. Mais adiante: “Ganhar dinheiro é uma habilidade, mas enriquecer é uma arte”. Então, serei um habilidoso artista. E ainda: “Nós o levaremos além de suas limitações”. Gostei muito deste “nós”. McKenna sabe se valorizar, vale por muitos. É, definitivamente, um homem na terceira pessoal do plural. Leio tudo com atenção, sempre sublinhando a lápis os trechos quase bíblicos.

Nem mesmo no domingo à noite, as contas deixam-me em paz. O porteiro enfia por debaixo da porta o condomínio, plano de saúde, cartão de crédito, escola da filha. Deixo as dívidas de lado. Não tenho tempo a perder. Avanço na leitura de Eu vou te enriquecer. Tenho fé, acredito em McKenna. Ensina-me: “A diferença entre os ricos e os pobres é que os primeiros aprenderam a reconhecer o valor de seus pensamentos”. Sim, meus pensamentos, minhas ideias, valem muito. Pena que quase ninguém concorde comigo. Não tem importância. Agora, tudo vai ser diferente. Encontro um ensinamento que não me diz respeito, mas me chama a atenção: “Qualquer que seja a história negativa sobre a riqueza que lhe contaram no passado, é hora de se esquecer dela”. Lembro apenas das histórias de assombração, boitatá, mula sem cabeça, que minha mãe contava. E algumas histórias de pobres. Estas, sim, é melhor esquecer.

À página 55, um estranho cansaço me assola. Lá, em destaque, McKenna me diz: “Se você não gostar das pessoas com dinheiro, será difícil tornar-se uma delas”. Fico na dúvida se preciso encontrar alguém com muito dinheiro e gostar dela. Ou isso é desnecessário? Conheço poucos ricos. Tudo se embaralha. Quando vejo, estou próximo à página 100. Já passei pelo “termostato de rico”, pelo “poder do foco revisitado”, pela “programação do seu termostato”, pela “superação do gasto emocional”. Avancei pela “alegria de poupar”, pelo “custo real da terapia da compra”. Estou exausto. Nada mais parece fazer sentido. Sinto-me um derrotado. A alegria do início, desde a compra do livro, dá lugar à frustração. Sou um grande incompetente. Nunca conseguirei. Desconfio de que nem mesmo Paul McKenna dará jeito. Sou um homem à beira do abismo financeiro. Amanhã, tenho de encarar o gerente do banco. Fecho o livro e releio a orelha. Um detalhe me chama a atenção: Paul McKenna já vendeu mais de 3 milhões de livros. Faço as contas: 3 milhões vezes R$ 44,90 igual a R$ 134.700.000,00. Se ele levar 10% sobre as vendas, já ganhou cerca de R$ 13,4 milhões só em direitos autorais. Isso sem contar palestras, consultorias. McKenna é especialista em hipnose e ajuda pessoas a, além de ficar ricas, emagrecer, parar de fumar e eliminar o estresse.

Resolvo abandonar Eu vou te enriquecer. Mckenna, eu estava enganado. Não, eu não posso. Volto ao capítulo Baleia de Vidas secas: “A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida”.

Amanhã, tenho de falar com o gerente do banco. Juros de 90% ao ano.

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2 ideias sobre “Sim, eu posso, Paul McKenna

  1. Vanessa Vaqueiro

    Olá, Zé Beto.Não pude deixar de ler o que você escreveu sobre este livro do Paul (li só um livro dele e confesso que já me sinto íntima), que não li mas que será minha próxima aquisição quando eu passar numa boa livraria.
    Sou fã de livros de auto-ajuda,não sei se isso é ruim, mas com certeza é bom demais para a conta dos autores do gênero.
    Acho que é a minha terapia barata, que me faz feliz em momentos difíceis.Cada louco com a sua mania, né?
    Eu tenho o livro dele Eu posso fazer você emagrecer, com CD e tudo, achei o livro muito bom e estou praticando as técnicas descritas.Faz todo sentido o que ele diz, apesar dele nunca ter sido gordo.
    Em relação à riqueza, todos os livros do gênero eu compro.Tenho certeza que eu vou mudar a minha mente limitada e engordar a minha conta, só a conta pois o corpitto eu quero afinar.
    Abraços para você e somente uma ressalva:Acredite que o Universo é infinito e que a sua conta também.Pensar não custa nada!

  2. admin Autor do post

    o texto é do rogério pereira, vanessa. o recado está dado. obrigado. abraço. saúde.

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