6:08Mesa vira alvo

Do jornal Gazeta do Povo, em reportagem de Karlos Kohlbach, Katia Brembatti, James Alberti e Gabriel Tabatcheik (http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/diariossecretos/):

Justus e Curi podem ser alvos de ação de improbidade
Documentos mostram que deputados empregam pessoas que trabalham fora da Assembleia, o que caracteriza desvio de função

O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Nelson Justus (DEM), e o primeiro-secretário, deputado Alexandre Curi (PMDB), podem ser alvos de ações de improbidade administrativa do Ministério Público do Paraná – o que pode resultar até na perda do mandato eletivo e na cassação dos direitos políticos. Os dois parlamentares empregam agentes políticos em gabinetes administrativos – o que caracterizaria desvio de função, já que funcionários lotados no gabinete da presidência e da primeira-secretaria deveriam desempenhar suas atividades dentro da Assembleia.
Diários oficiais da Casa consultados pela Gazeta do Povo e pela RPC TV comprovam a irregularidade cometida por Justus e Curi. Servidores que deveriam dar expediente na Assembleia foram localizados pela reportagem bem longe da Casa, desempenhando atividades que não são compatíveis com o trabalho de um agente político.

Cleon Cosme Costa é funcionário comissionado do Legislativo. Ele foi contratado no dia 1.º de outubro de 2008 para trabalhar no gabinete da primeira-secretaria – sob a responsabilidade do deputado Alexandre Curi. A reportagem encontrou Costa trabalhando na rádio Poema na cidade de Pitanga, município que fica a 348 km de Curitiba. A rádio pertence à família do peemedebista. Aníbal Cury Júnior, pai de Alexandre, é um dos diretores da Rádio Poema. O outro é Cleon Cosme Costa. “Nós temos uma rádio, que é a rádio Poema de Pitanga. Eu presto serviço para o deputado na qualidade de assessor. Faço parte da assessoria do deputado”, disse Costa, quando foi procurado pela reportagem. Mas a ficha funcional dele, obtida com exclusividade pela reportagem, revela que ele não faz assessoria para Curi, uma vez que ele foi nomeado para ocupar um cargo em comissão na primeira-secretaria, que funciona no prédio administrativo da Assembleia. O documento mostra ainda que o endereço fornecido por Costa é o mesmo onde funciona o diretório do PMDB em Pitanga.
Sem saber que estava sendo gravado, Cleon Costa contou que, para trabalhar na rádio, é preciso apresentar o título de eleitor. “Para trabalhar conosco tem de transferir [o título]. Porque nós somos políticos, nós não podemos perder voto. Mas não é que ‘tem’ de transferir. É natural. Se eu estou te dando uma mão, quero também.”
E não é só Cleon Costa que foi contratado. O filho dele, Cleon Cassius Costa, também aparece na relação de servidores divulgada em 2009 pelo presidente Nelson Justus. O Diário n.º127, de 9 de outubro de 2007, traz a nomeação dele para trabalhar no gabinete da primeira-secretaria.
O presidente da Assembleia usou do mesmo expediente, caso que foi descoberto durante uma operação da Polícia Federal. Em novembro de 2009, agentes da PF prenderam 18 pessoas acusadas de integrar uma quadrilha especializada no corte ilegal de palmito no litoral do Paraná. Entre os detidos estava o casal Doris Rozana Tozzeto e Cézar Tozzeto, presos em Guaratuba – principal reduto eleitoral de Justus. Os dois eram funcionários do gabinete da presidência e foram exonerados logo após a ação da PF.
Em nota oficial, Justus disse que Doris e Cézar eram servidores de seu gabinete, não da presidência. Os diários oficiais da Assembleia desmentiram Justus. Cézar, por exemplo, foi contratado em cargo em comissão na presidência em 1.º de maio de 2008 e exonerado em novembro de 2009 – logo após a operação da PF.
A prática de contratar agentes políticos em cargos comissionados na Mesa Executiva é alvo de investigação do MP. Os promotores abriram um procedimento investigativo para analisar todas as contratações feitas nos últimos dez anos, o qual deve atingir pelo menos 30 parlamentares e ex-deputados que passaram por um dos cargos de comando da Assembleia nos últimos anos.

Projeto de lei
Os deputados estaduais devem votar hoje, em segunda discussão, um projeto de lei que regulamenta a atividade de agentes políticos. O projeto, do deputado Luiz Cláudio Romanelli (PMDB), pode evitar casos como o dos deputados Curi e Justus.
A proposta de Romanelli estabelece que os assessores parlamentares terão de apresentar relatório mensal das atividades desempenhadas e cumprir jornada entre 20 e 40 horas semanais. A função deles também fica regulamentada: representar o parlamentar em eventos públicos ou privados, levantar informações para a definição de estratégias de atuação e na edição de leis e realizar reuniões com lideranças comunitárias.
O projeto também veta a contratação de
pessoas com mandato eletivo, donos de empresas, gerentes ou funcionários registrados com carga horária de 40 horas semanais.

Outro lado
A reportagem procurou os deputados Justus e Curi, mas eles não atenderam os telefonemas.

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Recadastramento se mantém, apesar do afastamento de diretor
A Assembleia Legislativa afirma que o processo de recadastramento funcional – principal medida anunciada para coibir as irregularidades mostradas pela série “Diários Secretos” – será conduzida normalmente, apesar do afastamento do diretor de Pessoal, Antônio Carlos Gulbino. Ele deixou a função temporariamente na sexta-feira, quando o Ministério Público Estadual (MP) encaminhou um documento à Assembleia fazendo essa solicitação –o diretor estaria dificultando as investigações sobre desvio de dinheiro no Legislativo. Nesse mesmo dia foi aberta uma sindicância interna contra Gulbino.
O recadastramento foi anunciado pelo presidente da Assembleia, Nelson Justus (DEM), em 17 de março, mas até agora não produziu efeito prático. De acordo com a Diretoria de Comunicação da Assembleia, isso se deve à demora na aprovação do projeto de lei que regulamenta a função de agente político na Casa.
Todos os 1.941 funcionários com cargos comissionados na Assembleia foram demitidos em 30 de abril. Desses, 1.860 se recadastraram, mas ainda não se sabe quantos serão recontratados – até agora, apenas os diretores tiveram suas nomeações publicadas. A diretoria de Pessoal está cruzando os dados apresentados por cada um, como parentesco com agentes políticos e declaração de bens, para definir quem pode voltar ao Legislativo. A Assembleia irá listar todos os recontratados. Por outro lado, o nome das pessoas que não cumprirem com o requisito não será divulgado. A reportagem questionou a Diretoria de Comunicação se isso não contraria o princípio de transparência da Casa, mas não houve resposta.
Apesar de os comissionados terem sido demitidos, quase todos continuam trabalhando normalmente, segundo a Diretoria de Comunicação. Cada gabinete orientou os funcionários que as contratações, quando ocorrerem, serão retroativas a 1.º de maio – o que é um mecanismo legal, segundo a Assembleia. Na série “Diários Secretos”, entretanto, a Gazeta do Povo e a RPC TV mostraram que houve casos de nomeações na Casa que retroagiam vários anos, o que fere os princípios da moralidade, segundo especialistas.

Interferência
O MP pediu o afastamento de Antônio Carlos Gulbino porque ele seria o responsável pelo mandado de segurança que restringiu o acesso dos promotores aos dados financeiros dos funcionários. A ação, com pedido de liminar, foi impetrada pelo Sindilegis – sindicato que representa os servidores públicos da Assembleia e tem como presidente o ex-diretor-geral Abib Miguel – e aceita pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Ivan Bortoleto em 26 de abril. Pela decisão, o MP só poderia ter informações de cerca de 40 pessoas que eram alvo de um primeiro inquérito.
Uma semana após o TJ ter concedido a liminar ao Sindilegis, a presidente em exercício do sindicato, Diva Scaramella Ogibowski, declarou à reportagem que foi “enganada” por Gulbino. Ela afirmou que foi procurada por um grupo de servidores, comandado por Gulbino, que pediu ao sindicato para proteger a categoria de eventuais quebras de privacidade e sigilo. Diva afirmou que assinou o documento sem saber exatamente do que se tratava. Ela comunicou ao TJ que o Sindilegis desistiu do processo. O MP também apresentou recurso contra a liminar, o qual ainda não foi apreciado pelo Judiciário. (Rosana Félix)

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