17:45HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Leão

Começou a desconfiar porque vinha tudo com muita freqüência. Tinha feito sessenta e, no dia seguinte, o gosto daquele misto quente numa padaria que ficava no meio do percurso entre sua casa e a do amigo onde ia jogar ping-pong na mesa improvisada entrou pelo olfato, paladar e apareceu na mente, desde a hora do queijo derretido na chapa da padaria. Também sentiu o frio daquela madrugada onde ele e seus amigos do colégio corriam para pegar um ônibus que os levaria a um trem que os levaria a uma exposição no Interior. Sentiu até a dor de uma pequena cárie revelada com o vento gelado entrando na boca. E a menina com a pinta em cima do lábio superior, cabelo curtinho, olhos castanhos, que um dia, apenas um dia, acompanhou todo tímido e ela lhe sorriu e nunca mais se falaram, apenas se olharam em meio ao burburinho dos intervalos no pátio lotado. O que seria tudo isso, vindo assim, depois do dia em que fez sessenta e lamentou ainda não ter os netos para suprir a distância dos filhos quando eles eram criancianhas? Pensou na morte, claro. O caminho para o antes de nascer, como leu um dia e nunca mais esqueceu. Aí descobriu que tudo vinha por um simples motivo: era um homem feliz, depois de séculos no cinza da vida.

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