7:41Crimes demais

Do jornal Gazeta do Povo, em reportagem de Aline Peres e Diego Ribeiro:

Curitiba é três vezes mais violenta que São Paulo. E empata com o Rio
Dados oficiais mostram que já temos 34 homicídios a cada 100 mil habitantes. São Paulo tem 11. O Rio, 34,8

Curitiba é três vezes mais violenta do que a cidade de São Paulo. De acordo com os dados oficiais apresentados pelo Mapa do Crime, di­­vul­­gado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), a capital paranaense – com uma população estimada em 1,8 milhão de pessoas – registrou 632 homicídios em 2009, o que representa uma taxa de 34 homicídios a cada 100 mil habitantes. A cidade de São Paulo – com 11 milhões de pessoas – atingiu 1.235 homicídios no mesmo ano, segundo o go­­verno estadual paulista. A média da maior cidade do país é de 11 assassinatos por 100 mil habitantes. A comparação só foi possível agora que a Sesp divulgou os dados oficiais, depois da saída de Roberto Requião (PMDB) do governo. 

Quando os crimes da região me­­­­tropolitana de Curitiba são so­­mados aos da capital, os números são ainda mais preocupantes: fo­­ram 1.523 assassinatos em 2009 – o que, para 3,3 milhões de habitantes, re­­sulta em 46 homicídios por 100 mil ha­­bitantes. “A taxa de Curi­­­­tiba é bastante elevada em re­­la­­ção ao contexto nacional e de­­mons­­tra uma de­­­­terioração na cidade”, afirma Igná­cio Cano, doutor em Socio­­lo­­gia e integrante do La­­bo­­ra­­tório de Análise da Violência da Uni­­ver­si­­da­­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Se comparada com a capital flu­­minense, que tem uma população menor que São Paulo, o número ainda assusta. Enquanto Curi­­tiba vive com 34 homicídios/100 mil habitantes, no Rio de Janeiro, cidade sempre criticada pelo do­­mínio do tráfico de drogas, o índice é de 34,8, quase igual ao da capital do Paraná. Os cariocas registraram uma população de 6,1 milhões de pessoas no ano passado. 

Os especialistas garantem: a es­­calada do crime contra a vida é preo­­cupante e não pode ser explicada de forma simples. “Existe uma combinação de fatores que po­­de explicar essa taxa alta. Pri­­mei­­ro, Curitiba é uma cidade que tem se desenvolvido muito rápido. Se­­gundo, a cidade tem uma posição geográfica de passagem no país”, explica o sociólogo e coordenador do programa de mestrado e doutorado em Educação da Ponti­­fí­­cia Universidade Católica do Para­­ná, Lindomar Bonetti. 

Na opinião dele, Curitiba está en­­tre as capitais com infraestrutura mais precária na periferia da ci­­da­­de, o que favorece a violência. A so­­lução para frear a disparada dos ho­­micídios também é complexa. Os especialistas ouvidos pela Gaze­­ta do Povo são unânimes: apenas aumentar o efetivo policial não resolve. “Não basta apenas a presença policial. Hoje, a con­­cepção de segurança não pode descartar a participação dos municípios, principalmente no que diz respeito à prevenção”, enfatiza Tião Santos, integrante do Conselho Nacional de Segurança Pública e coordenador da ONG Viva Rio. 

Para Santos, as prefeituras po­­dem se envolver mais na qualidade de vida do cidadão, desde a me­­lhoria da moradia, passando pelas atividades para a juventude, iluminação pública, até a criação de um programa que integre de forma mais concreta a guarda municipal com as polícias. “Tem de haver uma ação estratégica combinada. É preciso que os prefeitos assumam o papel que é deles também quando o assunto é prevenção.” 

A Sesp, procurada pela reportagem, não quis se pronunciar sobre a comparação dos índices de homicídios. 

São Paulo

Segundo Cano, da UFRJ, a queda na taxa de ho­­micídios na cidade de São Paulo é uma resposta a diversos fatores. Ele lembra que as políticas públicas têm tido contribuições na diminuição dos homicídios. Outro ponto destacado pelo sociólogo é um tanto curioso: a falta de concorrência entre os criminosos na capital pau­­lista. “A monopolização do crime é um item que impede os conflitos”, explica. Ou seja, o domínio da facção criminosa Primeiro Co­­man­­do da Capital (PCC) evita a guerra entre criminosos, contribuindo para baixar as estatísticas de homicídios.

40% dos crimes cometidos por adolescentes são contra a vida
por  Aline Peres e Diego Ribeiro 

O assunto violência nas grandes cidades tomou conta do debate na sociedade e há um ponto em comum entre os especialistas. Quando o autor da violência é um adolescente, a questão é ainda mais delicada. Segundo dados da Delegacia do Adolescente (DA) de Curitiba, 40% de todos os atos infracionais cometidos por jovens entre 12 e 18 anos incompletos são contra a vida.
A média anual de procedimentos policiais abertos envolvendo adolescentes gira em torno de 2 mil. No ano passado, foram apreendidos 160 adolescentes. De janeiro a abril deste ano, a DA já registrou 500 procedimentos de atos infracionais cometidos e 153 adolescentes foram apreendidos em flagrante ou por mandado de busca e apreensão. 
“A tendência é piorar porque não há política capaz de, no médio prazo, dirimir o problema”, diz a delegada titular da DA, Nilcéia Ferraro da Silva. Conforme ela, o adolescente não tem espaço na sociedade por falta de oportunidade no mercado de trabalho e por constituir família muito cedo.
Socorro
Os motivos para os adolescentes cometerem crimes cada vez mais graves são claros. De acordo com a presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Paraná, Marta Tonin, a família desestruturada é o principal problema. “Esses números são um pedido de socorro”, alerta. Na opinião da advogada, o Estado deve olhar com mais atenção e prioridade para o adolescente. “Temos de fazer a revolução da consciência”, sugere Marta.
Por outro lado, os criminosos adultos cooptam os adolescentes porque acreditam na falta de punição. O promotor da Vara do Adolescente Infrator de Curitiba, Salvari José Mâncio, confia que a função do Estado não é punir o jovem, mas reeducar e proteger. “As medidas socioeducativas funcionam para a maioria”, garante. De acordo com Marta, há uma carência de investimentos nos programas de reeducação dos adolescentes em conflito com a lei.
Para Mâncio, a maior parte dos 40% dos adolescentes que cometem atos de natureza violenta é diretamente influenciada por adultos.
A advogada Marta e o promotor Mâncio têm opiniões em comum sobre o papel da família e da escola para mudar esta realidade. “É preciso uma retomada de atitude que envolva todos os agentes sociais”, afirma o promotor. Os dois colocam a distância dos pais da escola e a transferência de responsabilidade da família para os professores como entraves para a resolução do problema. “Quantos pais vão às reuniões das escolas?”, questiona Marta. Segundo ela, é necessário um mutirão para “catequizar” por meio de uma mobilização que envolva todos.

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Abril encerra com 20% mais mortes violentas
por Aline Peres e Diego Ribeiro

Confirmando a tendência de aumento na violência, abril encerrou com um crescimento de 20,6% nas mortes violentas cometidas por arma de fogo, arma branca e por agressão, em relação ao mesmo período de 2009. Os dados são referentes a Curitiba e região metropolitana.
Os relatórios expedidos diariamente pelo Instituto Médico Legal (IML) apontam 158* mortes, número superior ao mesmo período do ano passado, que encerrou o mês com 131 casos. Em quatro meses, o total de mortes é de 734 contra 594, em 2009. 
Em 2008, foram 498 casos, o que demonstra um aumento de um ano para o outro de 19%. Das 158 mortes, 139 foram cometidas por arma de fogo.
No somatório dos meses, os bairros mais violentos continuam sendo o CIC (45 casos), Sítio Cercado (28), Tatuquara (17) e Cajuru (15). Na região metropolitana, Colombo aparece com 55 casos, seguida por São José dos Pinhais (51) e Piraquara (50).
“A presença policial é importante, mas age apenas de forma imediata. É preciso que o Estado se faça presente de forma constante, com acesso à educação e trabalho, e não esporadicamente”, afirma o sociólogo Lindomar Bonetti.
Método
A metodologia usada há dois anos pela Gazeta do Povo, por causa da inconstância na divulgação dos dados oficiais pela Sesp, considera somente vítimas de mortes violentas cometidas por arma de fogo, arma branca e por agressão.

*As mortes divulgadas pelo IML ocorreram no período de 1º de abril até o dia 30, às 14 horas. O levantamento não pôde ser feito até o fechamento da edição em razão de uma queda no sistema do IML.

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