9:25PARA NUNCA ESQUECER

Canhoteiro

O Dia do Ponta Esquerda existe sim. Foi o dia em que veio ao mundo, em 24 de setembro de 1932, em Caroatá, Maranhão, José Ribamar Oliveira, o Canhoteiro que anos mais tarde se tornou ídolo de Pelé, com quem jogou na Seleção Brasileira, assim como Zizinho, seu companheiro no São Paulo. Ele era o Garrincha da ponta-esquerda. Como este gênio, também morreu cedo, aos 42, vítima do alcoolismo. Pouco antes teve uma passagem por terras do Paraná, no Toledo, mas era apenas uma sombra do que foi e assombrou o mundo da bola. “Na verdade, era um desses jogadores acima de qualquer resultado, mais importante que o próprio gol”, retratou o Jornal da Tarde no dia em que ele morreu, frase gravada no livro “Canhoteiro, o homem que driblou a glória”, do jornalista Renato Pompeu. Ali também está registrado o que disse o jogador Benê, ao lado do caixão do craque: “Jogava como vivia – e vivia sorrindo”. Para quem quiser conhecer um pouco mais, segue texto de Antonio Falcão, publicado no blog Arquibancada, do jornalista José Neves Cabral (http://www.arquibancada.blog.br/):

O único grande time do Brasil a fazer do ponta-esquerda um ídolo foi o São Paulo, clube no qual Canhoteiro (à direita na foto acima, com o Mestre Zizinho ao centro) vestia a camisa 11. E onde, a partir de 1954, ocupou a vaga de Teixeirinha, que há 15 anos era titular absoluto. Afora isso, o novato Canhoteiro ainda teve o afago unânime da galera são-paulina. E tal carinho se afirmaria em um fã-clube exclusivo – conjunto de admiradores até então inédito no âmbito do futebol brasileiro.

Só que essa torcida não sabia que o extrema-esquerda mulato, de 1,68 m de altura e 61 quilos, fora batizado José Ribamar de Oliveira. E que nasceu no Maranhão, na cidade de Coroatá, em 24 de setembro de 1932. Nem que, antes de surgir no Paissandu de São Luís, a capital, ele foi caminhoneiro e, desde a adolescência, bebia e varava noites tangendo com habilidade as cordas de um violão. Tampouco ninguém atinava que sua terra natal é próxima de Codó, sítio que no início do século passado pariu Fausto Maravilha Negra.

Sobre Canhoteiro, a torcida paulista sabia só que ele fora adquirido pelo alvirrubro cearense América, de Fortaleza, ao ser visto jogando no escrete maranhense, em 53. E que do time do Ceará se transferiu, em 13 de abril de 54, para o São Paulo Futebol Clube, onde chegou a ser chamado de o mágico tricolor, Madrake ou Cantinflas.

Nele, todos amariam o drible moleque, o passe criativo, o chute raso sem chance para o arqueiro, o cabeceio preciso, o afã do gol e o proverbial jeito brincalhão nordestino. Tudo isso divertia a massa. E os colegas de equipe lhe aplaudiam as embaixadas com moeda, laranja, xícara de cafezinho ou tampa de garrafa. A intimidade dele com objetos redondos – diziam em Coroatá – vinha do hábito de ser preso pelo pai a uma mesa, para não ir às peladas. Mas Canhoteiro, embora amarrado ao móvel, valia-se de bolinhas de papel para fazer malabarismo.

Certa vez, contra o Corinthians, em uma só jogada ele fintou o marcador Idário 14 vezes, para delírio da massa. Um desses dribles era o “solavanco”: com a bola no pé e na linha lateral do campo, ele atraía os marcadores, girava a cintura para a direita, dava um corte seco e – pimba! – impunha o pique arrasador pela esquerda, levando perigo à meta adversária.

Já em 1955, malgrado a má fase do clube, a arte de Canhoteiro levou-o à seleção nacional, estreando, com Zito, em 17 de novembro, contra o Paraguai, no Pacaembu. E marcando o seu único gol no escrete, que venceu a Copa Oswaldo Cruz. Pelo São Paulo, ele foi ao México ganhar o torneio Jarrito. A viagem serviu para revelar a sua ojeriza por avião. E que, pretextando isso, levava Canhoteiro a beber em escala industrial.

Ano seguinte, no sul-americano do Uruguai, o ponta fez quatro dos 5 jogos do Brasil. E ainda atuou mais cinco vezes pela seleção em amistosos na Europa e no Recife, onde o escrete pernambucano se escalava com Barbosa no gol, mais Zequinha e Aldemar na linha média – estes, adiante, iriam para o Palmeiras.

Em 1957, quando fez tão-só um jogo pelo selecionado, Canhoteiro ganhara pelo São Paulo a Pequena Taça do Mundo, na Venezuela. Nesse ano, Zizinho esteve no tricolor e deu ao time o título estadual. Mais adiante, o Mestre Ziza diria: “No São Paulo, encontrei um punhado de craques. Um deles, Canhoteiro, jamais o esquecerei. Foi o maior ponta-esquerda que vi na minha vida. Em um metro quadrado, ele conseguia passar por três adversários, como manteiga que se aperta nas mãos”.

Pelé – nessa época, iniciando a carreira – viria a ter sobre o ponta tricolor opinião parecida. E o Rei sempre teve por Zizinho idolatria, nunca escondendo que o Mestre era o seu craque predileto.

Outro fã do maranhense, Chico Buarque de Holanda, compôs na música O futebol este ataque: Mané, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro. Pois bem, em 11 de junho de 57, o são-paulino juntou-se a Garrincha e Pagão no time do Brasil. E na tarde de 13 de maio de 1959, quando Julinho foi vaiado, Canhoteiro jogava com Didi e Pelé. Assim, esse quinteto imaginário da canção se compôs em duas datas. E, com boa vontade, a linha de frente dos sonhos de Chico Buarque existiu, sim.

Em maio de 58, nos preparativos para a Copa do Mundo, Canhoteiro venceu outra Oswaldo Cruz. Nesse mês, após o ponta realizar outro jogo, Vicente Feola o excluiu do grupo por conta de um porre que ele tomara com o half Jadir. (Anos depois, tal exclusão ganhou de Chico Buarque de Holanda este desabafo: “Canhoteiro, cuja camisa Zagallo usurpou na Copa de 58, privando o Planeta de ver o que só eu via”).

Mas, em matéria de escapada noturna, Feola o conhecia bem, pois quando treinou o São Paulo, em 1956, o pau-de-arara fugiu da concentração e se meteu em boate. O técnico foi buscá-lo. Mas, subornando um porteiro, o mágico atacante tricolor vestiu-se de boné e túnica, pôs óculos escuros e plantou-se na frente da boate. Há quem diga que Vicente Ítalo Feola quis saber desse “guarda-portão”: – Você viu o Canhoteiro por aí?

Todavia, dando adeus à equipe nacional, o gênio são-paulino ainda fez os dois jogos contra o Chile na Taça O’Higgins – ganha pelo Brasil em 1959. Dessa forma, ele completara 16 pelejas pelo escrete – das quais dez são vitórias, sendo quatro empates.
Na inauguração do estádio do Morumbi, em 60, Canhoteiro dera show na vitória sobre o Sporting Lisboa. Mas foi seu canto do cisne, já que, adiante, em um choque casual com o corintiano Homero, ele sofreu sérias contusões, que lhe valeram duas cirurgias. E jamais voltou a ser o mesmo.

Em outubro de 1963, venderam-no ao Guadalajara mexicano, onde jogou um ano. Lá, integrava grupo musical mariachi, e haja farra. Em 65, foi para o Toluca, também do México. E neste time esteve só seis meses, voltando ao Brasil para ter passagens meteóricas no Toledo paranaense, e pelos Nacional e Saad de São Paulo. Até que, em 1967, fora de forma, encerrou a carreira, trocando de vez a bola pelo copo e o violão.

Entregue ao vício, o pacato José Ribamar de Oliveira – quiçá na amnésia alcoólica – se olvidara que pelo São Paulo havia feito 415 jogos e 102 gols. E que seria por tudo dos mais cultuados ídolos tricolores. Tanto que, até hoje, é o quinto craque na preferência da torcida. E à frente de Friedenreich e Zizinho.

Porém, alheio a isso, esquecido, pobre e bêbado na capital paulista, em 16 de agosto de 1974, Canhoteiro foi vítima de derrame cerebral e se fez minuto de silêncio. Viveu 42 anos e na sua galhofa alegrou o povo de uma geração. Deixaria a viúva e, órfãs, uma filha e a bola. Além do vazio nos bares e noites de viola, em tudo que seja Canhoteiro. Inclusive na personificação do drible.

Em 2003, ainda reconhecido, o maranhense foi relembrado em disco pelos compositores Zeca Baleiro e Fagner. E em livro (Ediouro) comemorativo dos 450 anos da capital de São Paulo, Canhoteiro – O homem que driblou a glória, do jornalista Renato Pompeu

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