6:46Muito além do palmito

Do jornal  Gazeta do Povo, em reportagem de Karlos Kohlbach, Heliberton Cesca, Katia Brembatti, James Alberti e Gabriel Tabatcheik:

http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/diariossecretos/

Investigação mostra rede de influência de Justus
Aliados políticos do presidente da Assembleia em Guaratuba exercem cargos no Legislativo estadual 

Os diários oficiais da Assembleia Le­­­gislativa do Paraná e a Operação Juçara da Polícia Federal revelaram uma rede de influência que a família do deputado Nelson Justus (DEM), presidente da Casa, mantém na cidade de Guaratuba, no litoral do estado. Os laços envolvem os poderes Legislativo e Executivo daquele município.

São pessoas que têm ou tiveram relações diretas ou indiretas com o presidente da Assembleia, algumas delas na condição de aliados políticos e outras como funcionárias do Legislativo estadual.

Alguns indícios dessas relações vieram à tona em novembro de 2009, quando a PF prendeu 18 pessoas acusadas de integrar uma quadrilha de extração ilegal de palmito no litoral do Paraná. Entre os detidos estavam Dóris Rozana Tozetto e Cezar Tozetto. Ambos eram funcionários do gabinete da presidência da Assembleia do Paraná. Logo após a operação, os dois foram exonerados.

Na época Justus negou em nota que o casal de servidores presos estivessem lotado na presidência da Casa. “Cezar e Dóris Tozetto foram contratados como agentes políticos pelo gabinete do deputado Nelson Justus e não pela presidência da Assembleia Legislativa.” No entanto, um dia depois, a Gazeta do Povo comprovou, por meio de um diário oficial da Casa, que Dóris foi con­­­tratada para “exercer cargo em comissão, junto ao gabinete da presidência, a partir de 1/12/2008” .

Dias depois da operação, o casal To­­­zetto foi solto beneficiado por um habeas-corpus. Quem assina o documento é o advogado Eduardo Duarte Ferreira, que trabalha na mesma sala comercial que as advogadas Deisi Lacerda e Beatriz Grossi Maia, no centro de Curitiba. As duas aparecem na lista de funcionários da As­­­sembleia divulgada no ano passado pelo presidente Nelson Justus.

Supersalários

Documentos obtidos com exclusividade pela Gazeta do Povo e pela RPC TV, que embasaram a série de reportagens “Diários Secretos”, mostraram que a Assembleia do Paraná deposita há pelo menos oito anos altos salários na conta bancária de Beatriz. Os repasses se repetem mensalmente com valores que variam de R$ 5 mil a R$ 31 mil. Entre 2001 e 2007, a Assembleia pagou a ela cerca de R$ 1,1 milhão. Beatriz é uma das 73 pessoas que receberam depósitos com quantias acima de R$ 20 mil mensais – superior ao limite da lei para servidores –, entre os anos de 2004 e 2009. Sem saber que estava sendo gravada, a secretária de Beatriz informou que a advogada estuda pela manhã e trabalha à tarde no escritório – sem fazer qualquer menção ao trabalho na Assembleia.

Os diários obtidos pela reportagem informam que em maio de 2007 Beatriz foi contratada para trabalhar no gabinete da administração, que era chefiada por José Ary Nassiff. Ele foi um dos diretores da Casa que deixou o cargo no mês passado. Além dele, Abib Miguel e Cláudio Marques da Silva pediram afastamento, respectivamente, da diretoria-geral e da diretoria de Recursos Humanos.

Explicações

A advogada Deisi Lacerda informou que é “parceira” do advogado Eduardo Duarte Ferreira. O próprio Eduardo também confirmou a “parceria”. Segundo eles, há uma divisão das despesas do escritório e, em algumas ações, eles assinam coletivamente “por comodidade”, já que Eduardo tem base em Londrina e Deisi auxiliaria ele em alguns casos. Porém a advogada não teria ajudado no caso da Operação Juçara. Deisi afirmou que é funcionária em comissão da Assembleia Legislativa há 4 anos, lotada no gabinete da diretoria-geral. Ela garante ainda que dá expediente no Legislativo para casos gerais da Casa durante o dia e, à noite, trabalha no escritório. Procurada pela reportagem, Beatriz Grossi Maia não foi localizada.

IPTU

Outra advogada ligada a Nelson Justus é Celina Galeb Nitschke. É ela quem defende o deputado e empresas da família numa série de processos de cobrança de dívidas de IPTU com o município de Guaratuba. Celina participou de uma licitação na Câmara de Vereadores local, perdendo a disputa para o escritório de advocacia dos filhos de Justus. Outro que advogou para família do deputado em ações fiscais e até eleitoral é o atual procurador da prefeitura de Guaratuba, Jean Colbert Dias. Ele também foi preso na operação da PF de combate ao corte ilegal de palmito. Celina foi procurada pela reportagem, mas não foi localizada para comentar o caso. Dias disse não se lembrar de ter defendido Justus em ações. Ele declarou que tem uma relação institucional com a família, porque é procurador da prefeitura e preferiu não se pronunciar sobre a prisão durante a Operação Juçara.

Dirigentes partidários

Os diários oficiais consultados pela reportagem mostraram ainda que dirigentes políticos de Guaratuba ocupam cargos em comissão, sem a necessidade de concurso público, na Assembleia do Paraná. Muitos desses partidos apoiaram a candidatura da atual prefeita de Guaratuba, Evani Justus, na eleição de 2008. Ela é casada com Gil Fernando Justus, irmão de Nelson Justus e secretário municipal de Finanças. Evani foi funcionária da Assembleia no gabinete do cunhado até maio de 2007. Ela foi eleita prefeita pela coligação Guaratuba Mais Forte, composta por PMDB/PP/PMN/PDT/PT/PSC/PCdoB/PRP/DEM/PSL/PR/PSDB. Evani e o marido Gil informaram, por meio da assessoria de imprensa, que não se pronunciariam antes da publicação da reportagem.

Câmara

O atual presidente da Câmara Municipal de Guaratuba, Claudio Nazário da Silva (PSDB), que contratou os serviços de dois filhos de Justus, também já foi funcionário da Assembleia. Ele alega que deixou o cargo em maio de 2008, antes de se candidatar, mas o ato de exoneração não foi publicado em nenhum diário numerado que a reportagem teve acesso. Consta apenas nas publicações oficiais da Assembleia a nomeação de Nazário para o gabinete da presidência, em abril de 2007. Ele disse que a exoneração foi encaminhada à Justiça Eleitoral, mas na Zona Eleitoral de Guaratuba não consta a documentação. Nazário disse, em entrevista, que a relação dele com Justus não impede que ele exerça a função de fiscal da prefeitura, comandada pela cunhada do presidente da Assembleia.

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Filhos de deputado venceram licitação em Guaratuba
Advogados receberam “carta-convite” para disputar a prestação de assessoria jurídica à Câmara de Vereadores com funcionária da Assembleia

por Karlos Kohlbach, Heliberton Cesca, Katia Brembatti, James Alberti e Gabriel Tabatcheik

 Uma licitação da Câmara de Vereadores de Guaratuba, que foi vencida pelo escritório de advocacia Castelo Branco Rocha & Cordeiro Justus, reforça a tese de que a família Justus construiu uma rede de influência no litoral paranaense. O processo de escolha para contratar um escritório para prestar serviços jurídicos especializados tem suspeitas de direcionamento. Isso porque a Câmara convidou três escritórios: Castelo Branco Rocha & Cordeiro Justus; Nitschke & Ferracioli Advogados Associados; e Andersen, Vianna & Vidal Advogados Associados. 

Os dois primeiros têm entre os sócios funcionários da Assembleia e um deles apresentou proposta com deságio de R$ 80 em relação ao valor máximo de R$ 44 mil. O terceiro escritório foi desclassificado por não apresentar documentação. Os textos das propostas dos dois concorrentes são idênticos, inclusive nos erros de digitação.

A ligação com a família Justus mais evidente é a de José Virgílio Castelo Branco Rocha Neto, sócio de Nelson Cordeiro Justus e Renato Cor­­­­deiro Justus, filhos do presidente da Assembleia, Nelson Justus. Ele acumula ainda uma função na própria Assembleia, onde foi nomeado no dia 1.º de outubro de 2006 em um Diário Oficial avulso, no gabinete do presidente do Legislativo estadual. Ele aparece na lista de funcionários, mas Jus­­­tus garante que ele já foi exonerado.

A sócia do escritório Nitschke & Ferracioli Advogados Associados, Celina Galeb Nitschke, também é funcionária da Casa e é advogada pessoal de Nelson Justus nas ações em que ele responde por dívidas de IPTU em Guaratuba.

A escolha

A história da licitação começa em janeiro de 2009, quando o diretor-geral da Câmara de Vereadores, Walmor José do Valle, abriu a licitação no modelo “carta-convite”. A intenção era contratar uma empresa de advocacia para auxiliar o Legislativo municipal pelo período de um ano, em diversas atividades jurídicas, como a elaboração de leis, contratos administrativos e “questões junto ao Tribunal de Contas (TC).”

O “convite” para a licitação foi enviado para os três escritórios, o número mínimo exigido pelo Tribunal de Contas da União. Um dos “convidados” foi desclassificado no dia da licitação, 20 de fevereiro de 2009, por não apresentar a certidão do cadastro na administração municipal.

Para o professor em Direito Administrativo, Rodrigo Pironti Aguirre de Castro, a ocorrência da licitação com apenas duas propostas é, em tese, irregular. “De acordo com o TCU, a modalidade de convite requer no mínimo três propostas válidas para que seja viável. Caso isso não ocorra, a administração deverá repetir o certame.” Ao final da licitação, o escritório dos filhos de Nelson Justus foi contratado pelo valor de R$ 41.760,00, a ser feito em 12 pagamentos de R$ 3.480,00.

Procurado pela reportagem, Renato Cordeiro Justus informou que não é mais sócio de José Virgílio Castelo Branco Rocha Neto. Mas em entrevista, Virgílio confirmou que ainda é sócio dos dois filhos do presidente da Assembleia. A advogada Celina Galeb Nitschke e o presidente da Câmara de Vereadores de Guaratuba, Cláudio Nazário, foram procurados, mas não foram encontrados pela reportagem. 

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“Isso é uma coincidência”
Nelson Justus vê com naturalidade relação de políticos ligados à Assembleia com a prefeita de Guaratuba, Evani Justus, sua cunhada

por Karlos Kohlbach

 O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Nelson Justus (DEM), considera que o fato de os principais políticos de Guaratuba ocuparem ou terem ocupado cargo em comissão no Legislativo estadual é uma coincidência. Os diários oficiais da Casa revelam que pelo menos sete dirigentes partidários do município do litoral foram empregados na Assembleia Legislativa.

Esses mesmos partidos, que trabalham como agentes políticos em Guaratuba, apoiaram a candidatura de Evani Justus, cunhada do deputado, para a prefeitura da cidade em 2008. A coligação “Guaratuba mais forte” reuniu 12 partidos, sendo que os dirigentes de cinco deles possuem cargos em comissão na Assembleia.

“(Isso) É uma coincidência. Nós temos que separar as coisas. A minha cunhada foi candidata, ganhou as eleições pelos seus próprios méritos. Agora se apoiaram a prefeita, o fizeram muito bem porque estão ressuscitando a nossa Guaratuba”, disse Justus.

O ex-presidente da Câmara de Vereadores de Guaratuba, Antônio Emílio Caldeira Júnior, é agente político de Justus, assim como a filha, que segundo o deputado, já foi exonerada do cargo. O atual presidente da Câmara de Guaratuba, Cláudio Nazário da Silva, também já exerceu um cargo em comissão no gabinete da presidência da Assembleia Legislativa.

Silva foi contratado em maio de 2007 e, segundo Justus, exonerado no ano seguinte. Este ato de exoneração, no entanto, não foi publicado em diário oficial numerado. Nem mesmo Justus sabe onde foi publicado o ato que comprovaria a demissão de Silva.

“Não é possível que um ato seja validado se ele não foi publicado. Onde foi publicado e onde ele se encontra? É isso que vamos mostrar [para o Ministério Público]”, afirmou Justus, citando um ofício em que o Ministério Público (MP) requisita os 2.178 atos que não foram publicados nos diários numerados no período de janeiro de 2006 a março de 2009. “Eu não posso acreditar que isso não exista. Se não existir, vamos comunicar ao MP”, completou.

Legal e moral

Justus considera legal e moral a figura dos agentes políticos, desde que, ressalta o parlamentar, eles trabalhem. Ele afirma que houve muita discussão antes da implementação da figura do agente político. “Nós discutimos muito, conversamos com o Tribunal de Contas (do Estado) e com o Ministério Público. Ex­­­pli­­camos e mostramos como funcionam em outras Assembleias. Se não pudesse, se fosse ilegal, eu não implantava”, disse Justus. Segundo ele, “os deputados se valem dessas pessoas (agentes políticos) porque elas são mais acessíveis e ajudam no trabalho político. Muitas vezes uma mãe de santo é tão importante quanto um vereador, porque ela sabe o que está errado”.

Os contratos

Justus confirmou a contratação em seu gabinete do advogado José Virgílio Castelo Branco Neto, que é sócio de seus filhos – Renato e Nelson Cordeiro Justus – em um escritório de advocacia. “Ele (José Virgílio) foi meu funcionário. Entrou em junho de 2006 e saiu em dezembro de 2009. Ele me ajudava muito na parte de advocacia”, afirmou. Já sobre o contrato firmado entre o escritório de Renato e Nelson Cordeiro Justus com a Câmara Muni­­­cipal de Guaratuba, o deputado disse que não compete a ele comentar o caso.

Operação Juçara

Nelson Justus disse que não conhece a advogada Beatriz Grossi Maia, que divide uma sala comercial com os advogados Deisi Lacerda e Eduardo Duarte Ferreira –que trabalha numa série de ações que envolvem deputados estaduais e pessoas ligadas à Assembleia, como nos casos da Operação Juçara e na investigação da Polícia Federal sobre o Esquema Gafanhoto, que consistia no depósito de salários de diversos servidores numa única conta bancária. “O advogado é advogado. A Assembleia é a As­­­sembleia. Eu não conheço essa advogada. Vou saber onde ela está lotada. Se ainda for funcionária, quero saber o que ela faz após o recadastramento”, comentou.

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