19:08A palavra do Senhor contra a cidade de Curitiba no dia de sua visitação

por Dalton Trevisan

   Suave  foi o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilônia,  diante de  Curitiba  escarmentada sob as patas dos anjos  do  Senhor  como laranja azeda que não se quer comer de azeda que é.

   Ai, ai de Curitiba, o seu lugar será achado daqui a uma hora.

   Gemerei  por Curitiba; sim, apregoarei por toda a Curitiba  a   nuvem  que  vem  pelo  céu, o grito dos infantes  a  anuncia;  porque o Senhor o disse.  

  A  chuva  de ais inundará a terra sem subir ao céu; e  no  céu verão  as costas do Senhor; e no céu sem lua nem sol a  tampa  descida do céu.

   No  dia de suas aflições os vivos serão levados pela mão  dos   mortos  para a morte horrível. Da cidade não ficará um garfo, aqui  uma  panela, ali uma xícara quebrada; ninguém informará onde era o túmulo de Maria Bueno.

   O dia virá no meio do maior silêncio ­ com um guincho.

   O  que  fugir do fogo não escapará da água, o que escapar  da peste  não  fugirá da espada, mas o que escapar do  fogo,  da água,  da  peste e da espada, esse não fugirá de si  mesmo  e terá morte pior.

   O  relógio na Praça Osório marca a hora parada do dia de  sua visitação.

   Ó lambari vermelho do rio Ivo, passou o tempo assinalado. Os abutres afiam seus bicos recurvos por causa do dia que vem perto. Escorrerá devagar o tempo como azeite derramado, eis a chaga da aproximação do dia. Cada um exibe na testa o estigma da besta; aqui há sabedoria.
 
   O  pânico virá num baile de travestis no Operário, no meio do riso;  o  riso  não  será riso, diz o Senhor,  as  bicharocas desfilarão diante do espelho e não darão sua imagem. Diz o Senhor: eis que Eu entrego esta cidade nas mãos de Baal e dos filhos com rabo de Baal, e tomá-la-ão.

   Este  é  o povo que morreu de espada: cento e noventa  mil  e  sete  almas e mais uma; todas as almas perdidas numa  hora  e sem um só habitante.

   A estátua do Marechal de Ferro madrugará com os olhos na nuca para não ver.

   Os  ipês  na Praça Tiradentes sacolejarão os enforcados  como roupa secando no arame.

   De  assombro  as  damas  alegres da Dinorá  atearão  fogo  ao vestido gritando nas janelas o fim dos tempos.

   No  rio  Belém  serão tantos os afogados que a cabeça  de  um encostará  nos pés de outro, e onde a cachaça para  mil  e  um velórios? Os ratos de rabinho satisfeito hão de roer  todo  o dinheiro do Banco de Curitiba.

   Para  embainhar minha espada, diz o Senhor, os vinte  e  três necrófilos  da  cidade casarão em comunhão de bens  com  suas noivas desenterradas e vestidas de branco.

   A  filha de meu povo será um pátio no Asilo Nossa Senhora  da Luz com seus urros e maldições. Muitos correrão para baixo da cama e cada um terá mais de uma morte:uma, a que escolher e a outra pela espada do Senhor, que já assobia no ar.

  O rio Barigui se tingirá de vermelho mais que o Eufrates. Um  sino  baterá no ouvido dos homens e eles se esborracharão feito   caqui  maduro.  As  filhas  vaidosas  de  sua  cidade suspirarão. Chorarão pedras de sangue dizendo: Não existe dor omo a minha dor. Depois hão de chorar os próprios olhos  com dois buracos na cara.

   Ai de Curitiba, perece o teu povo e se quebranta meu coração,  porque  é  o  dia  da  visitação,  diz  o  Senhor.  Dos  teus lambrequins  de  ouro,  das  tuas  cem  figurinhas  de   bala Zequinha.  Do teu bebedouro de pangarés, a gente  perguntará: que fim levaram? Dá uivos, ó Rua 15, berra, ó Ponte Preta, uma espiga de milho debulhada é Curitiba: sabugo estéril.

   O  terror  arrombará  as  portas, os macaquinhos  do  Passeio Público destelharãoas casas, a cidade federá como a jaula  de um chacal doente.

   Onde estarão todos os leões de pedra que guardam as casas  de teus  ricos  e os tatus de rabo amarelo que guardam  os  teus medrosos leões?

   Maldito  o dia em que o filho do homem te habitou; o  dia  em que se disse nasceu uma cidade não seja lembrado; por que não foste  sempre um deserto, em vez de cercada de muros e  outra ez sem um só habitante?

   Ó  Curitiba  Curitiba Curitiba, estendes os braços perfumados de giesta pedindo tempo, quando não há tempo.
   Ó  Curitiba Curitiba Curitiba, escuta o grito do Senhor feito um  martelo que enterra os pregos. Teu próprio nome  será  um provérbio, uma maldição, uma vergonha eterna. Curitiba, o Senhor chamou o teu nome e como o de Faraó rei do Egito é apenas um som.

   A espada veio sobre Curitiba, e Curitiba foi, não é mais. Não tremas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe  de  Colombo, a besta baterá vôo no degrau  de  tuas portas. Até aqui o juízo de Curitiba.

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