18:45HORÓSCOPO

por  Zé da Silva

Escorpião

Olhou o corredor em declive. Era o mesmo. O resto, não. A casa grande da frente tinha dado lugar a um caixote de apartamentos. Nos fundos, a meia-água ainda existia, mas a cobertura era de amianto, não a tradicional, com telhas de barro. Desceu devagar e viu o quintalzinho ali na frente. Era um mundo, para ele. Há quantos anos mesmo? O banheiro que servia às duas famílias que ali moravam, estava lá, mas diferente. Ele lembrou então do minúsculo espaço, dos banhos de água gelada que abominava – e do tombo que levou ali na frente, cabeça estourando no cimento engugado, o galo aparecendo, a gozação dos amigos da rua de barro. Imagens passaram rápido, inclusive a do cinema do bairro ali do lado, que conseguia ver por uma janela da casa, o que lhe dava a sensação de estar num na beirada de um precipício, pois o terreno da construção vizinha, enorme, tinha o piso metros e metros abaixo. Lá dentro da sala escura e sentado na cadeira de madeira e rangente do “pulgueiro”, como chamavam, morreu de medo do Drácula e vibrou com os mocinhos dos faroestes e suas armas prateadas e de cabo branco, que nunca teve, apesar de ver na vitrine da loja do bairro, com cinturão e tudo, marca Estrela. O corredor. Ali um dia testou seu carrinho de rolemã. Feito com tecnologia da turma. Desceu a mil quilômetros por hora, entrou no espaço na frente da casa, tentou fazer uma curva, foi arremessado para fora do veículo, alguma coisa enganchou nos chamados países baixos, um grito ecoou no bairro, mas só a pele sofreu um estrago. Ele então foi embora. De volta a terras distantes. Mas sempre lembra de lá. Do corredor, que lhe levava ao mundo jamais esquecido da infância vivida e hoje sonhada.

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