8:02O grande chiqueiro

de Rogério Pereira, publicado no site de contos “Vida Breve” (www.vidabreve.com):

Notem, excelentíssimos senhores, como somos, todos nós humanos, semelhantes aos macacos e porcos. Galhofeiros, imitamos os macaquinhos — aqueles atiradores de merda — do Passeio Público, enquanto esticamos o olhar para as putas dos arredores. Somos pândegos, traquinas empedernidos. Sempre em busca da leveza da vida. Mas também somos sujos, safados, maledicentes, escrachados, produtores sagazes de nojeiras que empestam este mundo à beira da falência. Agora, meus caros senhores, vocês, homens de terno e gravata, exageram na dose. Quase sempre. Protegidos, sob o refrigério adocicado do ar-condicionado, a empanturrar-se de bolachinhas, café quentinho e uísque, a desnudar as pernocas das moças, só pensam em nos roubar, foder, currar, estuprar, sodomizar. São insaciáveis, desconhecem o limite destas patinhas assanhadas por um trocado — o nosso trocado. Devoram o dinheiro alheio como a criança a mastigar feliz algodão-doce ao sol. Nosso dinheiro vira farnel apetitoso para a sanha desenfreada de vossas sagradas panças. E, saciados, olham para o lado, para o cocho sempre cheio. Quanto mais comem, mais comida há.

Mas, senhores, acreditem, nós troçamos deste lado de cá; zurramos alto. Tenham certeza: já não nos importamos. Diários secretos, nomeações na surdina, funcionários fantasmas, propinas. Nada mais nos assusta ou espanta. Estupefação, muito menos. Alimentamos vossas senhorias com alegria. Sabemos muito bem onde todos vamos parar. Vocês também sabem. Lembrem-se: vocês são porcos, não burros (alguns são os dois, mas esqueçamos por ora). Nossos votos são as abóboras que vos alimentam. Vocês, porquinhos de rabo curto e pança obtusa, adulam-nos, oferecem brinquedos, cadeiras de roda, óculos, dentaduras, espelhinhos, em troca de carregamentos de abóboras. Depois, vocês se abrigam neste grande chiqueiro — a Casa, como gostam de rosnar com a lavagem a escorrer pelos beiços — e se engalfinham em brigas, discussões, querelas que quase nunca nos dizem respeito. Inventam leis, mudam outras, tomam café, afofam secretárias nos cantos, criam cargos (muitos cargos), ressuscitam mortos, enchem a Casa (ou o chiqueiro) de fantasmas e se deleitam. Eu morro de medo de fantasmas e vocês cercados por eles. Um verdadeiro exército de visagens. Deus do céu, o inferno é aqui.

E vocês fodem. E como fodem! Procriam à beça. Como sei? Simples: da raça de vocês (porcos ladrões de porcos votantes) há milhares espalhados por este país. Nos chiqueiros municipais, estaduais e federais. Há o porco municipal, o porco estadual e o porco federal. É uma porcalhada sem fim. Empestam corredores e auditórios das Casas. Roem o sabugo do milho, entornam o cocho cheio, deliciam-se a fazer garatujas assombrosas. Mas não se sintam tão felizes e saciados. Um dia, tudo acaba. Vocês sabem: um dia nos encontraremos. Todos nós. Tenham fé. Um dia, do outro lado de lá, estaremos todos nós. E lá não há dinheiro. Somente treva e escuridão. Aproveitem: comprem fazendas, carrões, lanchas, aviões, mulheres, homens, escravos. Divirtam-se, chafurdem à vontade. Logo, logo a pança vai explodir.

Lembram-se daquele que aí estava. Que vos comandava. Parecia um porquinho eterno. Milhares de anos a vos subestimar, a encher o cocho, a virar a lavagem, a destruir adversários. Vejam o que sobrou: aquele busto feioso no saguão da Casa. Sorte do busto: se estivesse na praça em frente, um pombo sacana cagaria com gosto e desprezo na careca do homenageado. A merda do pombo, notem, senhores cerdos, espalha com a mesma facilidade com que vocês nos roubam. E a ironia: dizem que ele morreu ao comer uma linguiça estragada. Quanta ironia! Então, morreu de autofagia crônica. E deixou um porquinho herdeiro a cuidar da porcada. Talvez acreditasse na eternidade hereditária. Quanta prepotência suína daquele duroc de araque! Engraçado como vocês teimam em deixar aos filhotes a herança da roubalheira. Está no DNA suíno que vos empesta as entranhas?

Pergunto: sabem, vossas excelentíssimas senhorias porcalhonas, o que aconteceu com aquele porcão-mor? Aquele com um jeitinho engraçado, pescoço grudado nos ombros, andar rebolante pela falta de espaço entre os braços e pernas curtos, cujo nome remetia à grandeza de um militar quase invencível? Pois lhes digo: os vermes devoraram-lhe as carnes flácidas e podres. Escarafuncharam cada pedacinho daquele corpanzil, furaram o nariz, a língua, as tripas, cavaram fundo a bunda mole e as pernas curtas. Só restaram os ossos. Já viram um verme a comer carne humana? É assim: lembra um grão de arroz de cor nojenta a movimentar-se com métrica e precisão. Este será o fim de vossas senhorias: comida de vermes. A não ser que sejam todos cremados. Mas, aí, já vão direto para o inferno com a carne chamuscada. Vocês podem argumentar que a nós está reservado o mesmo fim. É claro, senhores. Nunca esquecemos disso. No entanto, apodreceremos em paz. Se isso não faz diferença a vocês, a muitos de nós ainda diz alguma coisa.

Antes de deixá-los comer vossas sagradas lavagens, lembro-vos, porcos estaduais, a facilidade de se carnear um suíno. Aprendi com o pai nos grotões de um mundo que já não mais existe. Engorda-se o bicho no chiqueiro. Basta um pequeno quadrado de madeira nos fundos de casa, com um cocho para água e lavagem. Antes de construir o abrigo do porquinho, o ideal é prestar atenção nas correntes de vento. Evite empestear a casa com o bodum de merda e da ração do animal. Quando o porco estiver gordinho, basta afiar a faca. Com a ajuda de dois ou três adultos, segura-se a vítima, levanta-se a pata e crava-se a lâmina bem fundo na carne branca. O berro do bicho ronda a casa durante dias, feito assombração. Em seguida, basta saciar-se com carne, torresmo e linguiça. Simples e delicioso.

Mas não se preocupem. Não faremos nada disso. Somos pacatos e servis. Continuaremos alimentando vossas panças com gordas abóboras, em troca de óculos, cadeiras de roda, dentaduras, espelhinhos, pentes, etc. Queremos vocês bem gordinhos para que em breve os vermes se saciem à vontade.

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