por Zé da Silva

Capricórnio

Viu o filme e chorou feito criança trancada no quarto escuro do castigo. De novo entrou fundo a distância de todos os anos dela. Ele que se perdeu na vida e quase se foi sem saber por quê, quando reparou naquele olhar triste, mas que era a tradução dela para o amor, silencioso, sem gestos, porque, um dia explicou, não aprendera assim, bem, ele tentou vencer os milhares de quilômetros reais que os separavam e, de repente, não deu mais. Ela se foi e ficou numa foto que ele olha todo dia e ganha força para ser o homem mais forte do mundo. Mas na tela o artista transmitia a dor de uma perda, porque a mulher se matou e ele se perdeu e aguentava o tranco de tudo com o anestesiante canabis. Desligou o filme. Se ligou na imagem que lhe veio. Dela, real, a sua, que lhe colocou no mundo depois da dor lancinante, dos ferros colocados, da barriga cortada, olha meu filho, meu orgulho, meu futuro, minha vida que será prolongada para sempre. Na foto em preto e branco que ele olha sempre há os netos. E todos sorriem. Mas ele chorou ao ver o filme. Porque não pode ficar perto e fazer. E esse é um buraco que não tem como desaparecer.