8:00A Casa do Povo

Por Jorge Eduardo, publicado no Blague do Blog (www.blaguedoblog.blogspot.com):

Há alguns anos, conheci num bar (claro que não foi na IURD) um simpático casal, apresentado a muá pelo meu primo Geraldo, amigo do tal casal. Ela, professora de direito; ele, engenheiro civil.
Lá pelas tantas, nem sei por quê, comentamos aquele famoso incêndio da Assembleia do Paraná, graças ao qual foram destruídos milhares de documentos.
Então o engenheiro me disse, aqui parafraseado: trabalhava lá e corri de casa (foi à noite) para ajudar, tentar salvar aquele espaço que ardia. A porta (não me lembro se ele disse que era de metal) estava trancada com gigantesco cadeado, grossas correntes. Não houve tempo para os bombeiros arrombarem a dita porta (ou portão) para tentarem salvar o acervo que ardia. O incêndio havia sido criminoso.
Pedi-lhe que assumisse o depoimento. Ele, por motivos pessoais e profissionais, disse-me que nada diria, nem confirmaria.

O presidente da Assembleia era Anibal Cury; o chefão, seu protegido Bibinho.
Houve investigação em torno da possibilidade de o incêndio ter sido criminoso.
Deu em nada.
Não digo que deu em nada porque os dois mandavam na Assembleia, pois não quero ser processado.
Digo deu em nada porque deu em nada.

O que mais assusta esta gente (?) é que a Gazeta do Povo e o velho Canal 12, hoje RPC, – jornal e rede de TV sempre amigos do poder nos tempos do dr. Chico Beleza – vez em quando resolvem gastar uma bela grana e fazer jornalismo.
Vejo gente estupefata: “Mas como podem fazer isso? Mas que sacanagem. Eles também tiveram rabo preso.” Tiveram. Os que tinham já se foram.
Pois o rabo soltou-se e os ótimos profissionais do grupo estão mostrando as garras de jornalismo decente, o mínimo que se espera do jornalismo decente.
A equipe é valente e assina as reportagens (são profissionais da TV e do jornal).
Certamente esse brava gente (!!) receberá telefonemas, será seguida, seus chefes serão pressionados; seus patrões, mais ainda.

Pessoal, conselho de um velho lobo do mar que os saúda: nada de botecos, de baladas, de motéis. Do trabalho pra casa, de casa pro trabalho; peçam para os parentes pegarem os filhos na escola. Medo, não; cautela. Um baseado plantado no porta-luvas pode encher o saco.

Considero-me amigo de James Alberti (falo dele porque assina a reportagem junto com os demais, que não conheço pessoalmente), hoje produtor (em linguagem de TV, é o repórter que não aparece no vídeo, mas prepara a jogada para a estrela da telinha). Tenho orgulho de tê-lo puxado – eu e Luís Lomba – para a equipe de reportagem da Folha do Paraná.
Na época – final dos 90 -, ele e Dimitri do Valle (os dois, catarinas de fibra, como todos os catarinas), mais Albari Rosa (fotógrafo, hoje autor das fotos desta série), encheram o saco para publicar umas quatro páginas sobre a comunidade do Rasgadinho, vítima de grilagem na região de Guaratuba. Ganharam duas, que me lembre, mas fizeram um estrago daqueles.
James Alberti (sem falar no Dimitri e no grande fotógrafo Albari Rosa) dignifica a profissão.
A ele e a seus companheiros, mais chefes de reportagem, editores do jornal e da TV (um beijo e um OSS à Sandra Salvadori) e até a Sandy e Júnior, minha doce inveja.

Nós, o povo, temos várias casas.
São nossas, uma extensão das em que vivemos, pois são elas que conformam o Estado que criamos para nos proteger e nos garantir segurança e justiça.
Se o Estado não se comporta como o que desenhamos e sustentamos, que seja desconstruído – sem ser derrubado, pelo menos por ora – para que volte e nos servir.
Integram-no também , obviamente, o Executivo, o Judiciário – os tais Poderes -, assim como se fosse uma nada santíssima trindade, na qual quem deve mandar e quem deve dirigir é o povo, sempre.

Que nossos demais veículos prestem atenção também no Executivo e no Judiciário.

Não há jornalismo que não seja investigativo, como dizia meu amigo Francisco Camargo.

O episódio, enfim, é emblemático: há algo de podre, etc. (Shakespeare).

Minhas homenagens ao velho Estadão, que escancarou os fantasmas da Assembleia (anos 70, e nada mudou) e, depois, do Tribunal de Contas.
O mesmo Estadão que contou a história dos Superfuncionários do goveno central.
Rendo meus encômios a quem mexe com o Coritiba e o Atlético, com a Polícia Civil, com a licitação malandra, com a inação do Ministério Público, com a ONG que só toma dinheiro, com a passagem do ônibus, com o preço do ingresso no teatro, com a roubalheira do supermercado que vende comida podre, com o vereador cachaceiro do álcool gel que não paga seus jornalistas.

De rabo a cabo.

O rei Luiz XIV disse, Letásemuá.
Eu respondo: o Estado sou eu, cidadão, citoiã; o Estado somos nós.

Esta Casa – como as outras -, cambada, é nossa.
Postado por São Jorge Eduardo França Mosquéra às 17:13 0 comentários 
quarta-feira, 10 de março de 2010
A imprensa e a imprensa
Texto de Léo Lince, retirado so site Socialismo e Liberdade.

“A imprensa no Brasil é livre, só não é democrática”. O sentido da frase, proferida tempos atrás por um observador arguto, conserva plena atualidade. É livre porque seus donos fazem o que querem. E não tem como ser democrática pelas mesmas razões.
Antigamente, muito antigamente, imprensa era só jornal. Mesmo grandalhão, era propriedade privada, voz do dono, sem maiores problemas. O dono defende o que lhe apraz e compra na banca quem quer. Hoje, tudo é tão dessemelhante. O conglomerado midiático articula uma poderosa miríade de meios de comunicação e da indústria cultural de massas. Além de redes de rádio e televisão, que são concessões públicas e entram na casa de todos sem bater na porta. São instrumentos que interferem fortemente na definição do espaço público e, como tal, demandam um tipo de controle adequado à sua natureza.

No vértice do conglomerado midiático, artilharia pesada do embate ideológico, está a televisão. O formato da televisão que temos no Brasil foi definido nas entranhas da ditadura. O auge do domínio militar sobre a política coincide, não por acaso, com a montagem da estrutura atual da mídia eletrônica, com seu suntuoso padrão global e seus vínculos com o internacionalismo procelário. Montada como monopólio de alguns poucos concessionários, armada de uma estrutura moderna de enorme eficácia técnica, orientada nos seus mínimos deslocamentos pela pesquisa diária de opinião, a televisão foi o meio por excelência da pedagogia autoritária. Não havia Mindlins entre os seus proprietários, todos ajudaram a repressão política.

O fim da presença física da ditadura, infelizmente, não se fez acompanhar da construção de mecanismos de controle democrático sobre a mídia eletrônica. Ela sobrevive como um espinho na ferida cicatrizada. Interfere de maneira poderosa na construção do espaço público, no jogo político, e faz isso com uma soberania quase absoluta. Opera a partir das fortalezas inexpugnáveis do poder privado e conserva, na alma de suas engrenagens, a marca arrogante do autoritarismo.

Agora mesmo, no primeiro de março, os magnatas supremos da mídia eletrônica esbanjaram arrogância na espantosa reunião realizada em um hotel de luxo em São Paulo. Estavam lá, além dos “estudiosos”, articulistas da agressividade contratada e de potentados de áreas conexas, os herdeiros da meia dúzia de famílias que monopolizam o ramo: Frias, Civitas, Marinhos, Mesquitas e que tais. O espetáculo, denominado Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, foi convocado pelo “Instituto Millenium”, que, pelo que se viu, articula a convergência entre a defesa dos interesses dos pontos fortes do mercado e o discurso da direita ensandecida.

A fala dos representantes do governo federal, sem dúvida, foi o ponto alto do convescote. O ministro Hélio Costa, das Comunicações, afirmou: “Na Conferência Nacional de Comunicação, o governo foi unânime em dizer que em hipótese alguma aceitaria uma discussão sobre o controle social da mídia”. E adiantou que, para ele, a idéia de controle social da mídia é “absolutamente inadmissível”. O deputado Palocci, pronto para reassumir a linha de frente (superado os incômodos provocados por aquele caseiro com feições de Kafka), foi além. Segundo ele, quem critica monopólio e concentração está errado: “há concentração na comunicação, mas há em várias atividades econômicas no Brasil. Considero normal e uma característica do amadurecimento das economias”. Imagina-se que, ao ouvir tal música, a platéia tenha aplaudido de pé.

Sendo assim, tudo seguirá como dantes. Os meios de comunicação de massa, afastado o “risco” do controle público, continuarão protegidos na fortaleza inexpugnável do poder privado. A direita social, garantida a liberdade de movimento da máquina mercante, proverá recursos fartos aos partidos certos. São elos de uma corrente que alimenta o milenarismo de mercado.

Léo Lince é sociólogo e mestre em ciência política

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