11:26Chá da Cinco com o Vampiro

“Chá das cinco com o vampiro” é o novo romance do escritor, crítico literário e professor paranaense Miguel Sanches Neto. Sim, é sobre Dalton Trevisan, que o colocou na lista dos desafetos exatamente por saber que Sanches Neto estava escrevendo. Por conta disso, o livro, recém lançado, ganhou espaço na revista Veja e na Folha Ilustrada (ver textos abaixo). Sanches, que resolveu publicar a obra por causa do ataque do ataque feroz de Trevisan, colocou no ar um blog para discuti-la, como informou na mensagem abaixo. A conferir:

Por conta de meu romance Chá das cinco com o vampiro (recém-lançado pela Objetiva) ser polêmico, vou manter um diário sobre ele na internet.
Para quem tiver interesse em acompanhar, segue abaixo o endereço.
 
http://chadascincocomovampiro.blogspot.com/

 Melhores inimigos

Em seu novo livro, Miguel Sanches Neto se vale da ficção para falar
da amizade com o recluso Dalton Trevisan – que terminou em bate-boca

Marcelo Marthe

Por sete anos, o escritor paranaense Dalton Trevisan e seu conterrâneo Miguel Sanches Neto foram mestre e discípulo. Na década de 90, Trevisan – um dos maiores contistas brasileiros, hoje com 84 anos – acolheu o jovem vindo do interior em seu círculo em Curitiba. Sanches, que é colaborador de VEJA e nos últimos anos ganhou reconhecimento com romances como Chove sobre Minha Infância, devotava-se então ao estudo acadêmico da obra do mentor. Em 2001, porém, a amizade desandou. Famoso por sua vida reclusa, Trevisan acusou Sanches de revelar intimidades suas a um repórter – e o rumor de que o ex-discípulo preparava um livro sobre ele envenenou de vez a relação. Em 2004, Sanches lançou uma carta aberta na qual esclarecia: estava mesmo escrevendo a tal obra. Mas ela não seria uma biografia de Trevisan, e sim uma ficção com personagens livremente inspirados nele e em outras figuras da literatura paranaense. “É sobre a arte da maledicência, praticada em menor ou maior grau por todos nós”, anunciava. A reação de Trevisan foi agressiva: em um poema intitulado Hiena Papuda, ele cobriu Sanches de xingamentos (“araponga louca” é dos poucos publicáveis). Agora, eis que se pode conhecer o pomo da discórdia. Em Chá das Cinco com o Vampiro (Objetiva; 294 páginas; 39,90 reais), Sanches oferece uma visão desencantada do meio literário. Geraldo Trentini é o vampiro do título – e, claro, também a versão ficcional de Trevisan, autor de O Vampiro de Curitiba.

O livro é um roman à clef, forma narrativa em que o autor trata de pessoas reais por meio de personagens com nomes fictícios. Assim como ocorreu com Sanches, o protagonista Beto muda-se na juventude da cidadezinha de Peabiru para Curitiba em busca da vida literária. Na capital, frequenta lugares como a extinta confeitaria Schaf-fer, na esperança de travar amizade com o “escritor recluso”. As semelhanças de Trentini com Trevisan vão do gosto por chocolate ao fato de o personagem ser viúvo e pai de duas filhas. Há outros tipos que espelham gente conhecida: o crítico Wilson Martins, morto em janeiro, aparece como Valter Marcondes.

Ainda que de forma cifrada, o livro permite vislumbrar o íntimo sob a couraça enigmática de Trevisan. Sua contraparte se esquiva de forma paranoica dos jornalistas, mas não deixa de ser um pavão que devora críticas elogiosas como quem saboreia “broinhas de fubá mimoso”. O isolamento não é de todo voluntário: seu temperamento realmente é difícil. “Geraldo não cumprimenta ninguém; homem de poucos amigos, brigou praticamente com todos os que conviveram com ele”, escreve Sanches. O mérito de Chá das Cinco com o Vampiro é não se reduzir a um apanhado de inconfidências. A decepção com o ídolo leva o discípulo a libertar-se dele – e essa afirmação da individualidade, mostra Sanches, é o caminho para um autor encontrar a si próprio. Ele diz ter vivido o mesmo em relação a Trevisan. “Se eu continuasse a corresponder à imagem que ele fazia de mim, mataria a possibilidade de ser escritor”, diz. Se também Trevisan tirou do episódio alguma lição, é fato ignorado: desde 2006, quando chamou Sanches de “Judas que se vendeu por trinta lentilhas” em seu poema, ele mantém o silêncio habitual – e impenetrável.

 Fogueira das vaidades

Romance inspirado em grupo “secreto” que rodeia Dalton Trevisan revela jogo de intrigas que nutre mundo literário

Ana Paula Sousa (Folha de São Paulo)


“O que destrói uma pessoa, qualquer pessoa, por mais reservada que seja, é a vaidade.” Foi com essa pequena sabedoria, apregoada até mesmo pelos biscoitinhos da sorte chineses, que o pretendente a escritor Beto Nunes conseguiu aproximar-se do contista Geraldo Trentini, o ídolo esquivo.
Foi, provavelmente, com essa mesma técnica que o escritor Miguel Sanches Neto conseguiu tornar-se amigo de Dalton Trevisan, o autor dos contos cada vez menores e das aparições cada vez mais raras.
Os paranaenses Nunes e Trentini são os protagonistas do romance “Chá das Cinco com o Vampiro”. Sanches e Trevisan são os protagonistas de uma rixa literária que teve o primeiro capítulo em 2004 e chega agora ao “gran finale”.
A confusão foi trazida a público por meio de uma “carta aberta” em que Sanches, ao saber da contrariedade do “mestre” ao tomar contato com os manuscritos, negava tratar-se de biografia. A resposta veio em forma de poema. Em “Hiena Papuda”, publicado em 2005, o contista chama o ex-pupilo de “filho adotivo espiritual de Caim” e “delator premiado”.
A intriga em torno do romance fez com que, à época, nenhuma editora topasse publicá-lo. Mais eis que, seis anos depois, a fogueira, e as vaidades, voltam a ser acesas

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Pupilo diz que decidiu sair da defensiva

Miguel Sanches Neto comenta hábitos de Trevisan por meio de personagem

Escritor inventado usa “calça jeans, camisa xadrez de mangas compridas, boné marrom com a aba cobrindo os olhos e tênis cinzentos”

Fala serena e tímida, o escritor paranaense Miguel Sanches Neto, 45, tem, como Trevisan, o “vampiro de Curitiba”, um quê de esquivo. Deseja dar entrevista sobre “Chá das Cinco com o Vampiro”, mas, ao mesmo tempo, mede com cautela cada uma das palavras. As primeiras perguntas são respondidas por e-mail. E é apenas ao telefone que admite: “O livro não tinha sido sequer publicado e, mesmo assim, eu já tinha sido agressivamente atingido. Passei todo esse tempo na defensiva. Mas acho que cansei de ser atacado”.
Sanches, autor de livros como “Chove sobre Minha Infância” e “Um Amor Anarquista”, refere-se às alfinetadas literárias que, entre 2004 e 2005, movimentaram o meio cultural paranaense e, pela ferocidade das palavras, acabaram por divertir também o ambiente literário nacional – mais afeito aos tapinhas nas costas.
Tudo começou quando, numa atitude que hoje vê como ingênua, o a
utor entregou o texto a um suposto amigo. Foi um pulo para que o livro chegasse às mãos de Dalton Trevisan e outro pulo para que os comentários ferozes surgissem.
“Escrevi então uma carta dizendo que era um romance, uma narrativa ficcional na sua intenção e que não ia publicar o livro, numa tentativa de encerrar o assunto”, conta Sanches. De nada adiantou. Foi chamado por Trevisan de “hiena papuda” para baixo.
Sanches insiste que todos os personagens têm algo de ficcional. Mas, além de ter a mesma origem e idade de Dalton Trevisan, o escritor Geraldo Trentini chegou a cuidar da fábrica de vidros da família, formou-se em direito, na Federal do Paraná, na década de 1940, e caminha, com os olhos no chão, trajando “calça jeans, camisa xadrez de mangas compridas, boné marrom com a aba cobrindo os olhos e tênis cinzentos”.
A narrativa divide-se entre a formação literária e afetiva de Beto Nunes e seus encontros com um grupo de escritores (ou quase) de Curitiba. E, nesse segundo caso, pouco importa quem são de fato Valério Chaves, o amigo com “pretensões vanguardistas” que faz uma “literatura trash” ou o jornalista político Orlando Capote -que, ao que tudo indica, é o jornalista Fábio Campana. Seus tiques pertencem a toda uma “casta” de intelectuais.
“Depois de conviver com escritores por algum tempo, você acaba sentindo necessidade de fazer parte da espécie humana, pois os deuses, os deuses cansam”, diz Sanches, pela voz de Nunes. “Os deuses são fanhosos. Falam apenas de suas obras. E querem plateia.”
Cabe também à pena de Nunes uma reflexão curiosa sobre o mistério que, no fim, só fez crescer o interesse pela obra de Dalton Trevisan e alimentou o mito. “Num período em que as televisões exploram a vida íntima das pessoas, o mistério sobre Geraldo se tornou um grande tema da literatura nacional (…) Esconder a intimidade mais ou menos medíocre fez com que sua biografia crescesse. E talvez agora só lhe reste manter o mistério.”
Geraldo Trentini, o personagem, dá empurrões e quebra a máquina de uma fotógrafa, acha que todos que andam pela rua com uma máquina estão querendo flagrá-lo, só sai de casa disfarçado e, reza a lenda, não há amigo que não acabe por transformar em inimigo.
Trentini também escreve contos cada vez menores e Nunes desconfia, não sem uma ponta de ironia, que isso talvez se deva à artrite. O ex-confrade também afia a lâmina literária ao citar frases que o contista, sem a caneta, profere: “O meu buquê de flores, minha caixa de bombom é o meu folhetinho de contos.” Ele admite, porém, que sua própria “caça ao vampiro” se deve ao fato de Geraldo ser “tão grande para os paranaenses” que eles só admitem a existência de outros Geraldos”.
E Daltons. E Trevisans. (ANA PAULA SOUSA)


CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO
Autor: Miguel Sanches Neto
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (236 págs.)

 

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