9:58Estanislana Schierpinski de Araújo, adeus

Dormiu o sono dos justos. Aos 99 anos. A polaca mais brasileira do mundo. Estanislana Schierpinski de Araújo. Está ali cercada de margaridas e com o rosto lindo, sem uma ruga, esperando a hora de o corpo sair de cena. Ela ficará para sempre. Porque mulher feliz. Conheci há 33 anos, ali, na casa de madeira da Dodó e do Zé Eugênio, que partiram primeiro para esperá-la. Mãe da Dodó e de mais uma filha, avó de cinco netos, bisavó de outras cinco crianças. Ensinou ensinando por décadas em escola pública. Ensinou passando a energia pura de quem aprendeu cedo a lição da vida. Seu quartinho de sempre era pegado à cozinha, viúva que ficou há muito tempo. Ouvia rádio, assistia às novelas, e fez a comida maravilhosamente simples de sempre enquanto pode andar, enquanto a memória não fugiu. Convidava sempre para provar a delícia do bife que, na frigideira, fazia a boca salivar. Perguntava sempre com quem ou se se eu estava casado. Os cabelos sempre brancos como a mais pura neve. Quando começou a ter dificuldade de andar, dizia que guardava energia para sair à noite para namorar. Adorava as brincadeiras sacanas que eu fazia. “Vai atrás de um negão, né?”. E ela: “Lógico!”. Nunca soube que a filha tinha partido antes. Lhe diziam que a Dodó estava na praia. A lucidez, nos últimos tempos, emergia raramente. Não saía mais da cama. Não reclamava. Melhor: com humor, reclamava assim: “Zé Beto, como está demorando para eu ir embora de vez!”. Ela foi ontem. Beijei seu rosto há pouco, como sempre fiz quando chegava e saía do seu cantinho cercado de santos. Um anjo que eu chamava de Estacha, assim mesmo, abrasileirado, porque era polaca, curitibana, a mais brasileira das polacas. Amém.

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