21:55Wilson Martins e João Ubaldo Ribeiro

Texto de Wilson Martins sobre a obra de João Ubaldo Ribeiro, que ele classificou como um dos grandes criadores da literatura brasileira no século XX. Confiram esta pequena amostra do trabalho do grande crítico:

por Wilson Martins

João Ubaldo Ribeiro, um caso de populismo literário

João Ubaldo Ribeiro (l940-) é, antes de mais nada, a persona da vida literária por ele mesmo criada e alimentada sob as espécies de uma personalidade pitoresca e irreverente, popularesca e populista ao mesmo tempo, rebelada contra as convenções sociais e as verdades aceitas, primitivo das letras e, como na fábula de La Fontaine, ‘camponês do Danúbio’, encontrado “sempre sem camisa’, diz um dos numerosos jornalistas que o entrevistaram, “de bermudas e chinelos, sem pretensão alguma de analisar os caminhos literários ou políticos do país”. O ‘escritor sem cara de escritor’, segundo a frase hoje consagrada, era uma ‘atração turística’ na ilha baiana de Itaparica, onde residia. Ao jornalista que lhe perguntou porque “costuma dizer que não tem cara de escritor”, respondeu com evidente satisfação:

É que realmente não tenho. O brasileiro habituou-se a
associar afigura do escritor com uma aparência formal, solene.
José de Alencar, com aquela barba, aquele ar de político do
Segundo Império, tinha cara de escritor. Eu não. Um escritor
digno desse nome, na visão da maioria das pessoas, não pode
aparecer sem camisa e de bermudas, pois assim fica assemelhado
em excesso ao comum dos mortais. Afinal, ele não é igual aos
outros, não tem os problemas que nós temos, não vai ao banheiro…”
(Playboy, abril 1991)
 

Mas, no mesmo diálogo e prevenindo ilações precipitadas, reivindicava a sua condição autêntica, aparentemente desautorizada por essas aparências:

Eu me considero um verdadeiro romancista. Isso sei que sou. Que
não desonro minha profissão sei também. Não digo pela qualidade,
mas pela seriedade. Eu, de fato, sou um escritor sério-sério,
honesto e dedicado. E, de certa maneira, um herói da profissão.
Meti as caras, resolvi pagar o preço: ou vai ou racha. Confiei em
mim mesmo e na minha fidelidade a este ofício. Ficaria indignado
se alguém dissesse que não sou escritor. Sou.
Não só um escritor profissional, no sentido forte da palavra, mas um escritor que se julga investido com um “senso de missão”:
Acredito em Deus e que nós temos algo afazer no mundo. (… )
Tenho interesses variegados sobre a vida em geral, o que leva
muitos a dizerem (sic) que meus livros são completamente
diferentes entre si. Entretanto, acho que as preocupações básicas
são as mesmas. ( .. ) Religiosas, humanistas … Sei lá, preocupações
com o destino da humanidade, com a injustiça, com a
discriminação, coisas assim. Tudo isso aparece nos meus livros,
até porque foram escritos pela mesma pessoa
.
 Seus diretores de consciência literária, conforme revelou em várias oportunidades, são Montaigne e Rabelais, Homero e Shakespeare, além de um James Joyce já agora diminuído em seu interesse – mas é fácil perceber que predominam no seu espírito, para além dos que respondem apenas aos intuitos culturais, os truculentos e espontâneos, os que poderíamos denominar de “populistas sentimentais ou orgânicos”, por oposição aos que forem puramente políticos ou ideológicos: Rabelais, que considera “uma coisa extraordinária em termos de inventiva, graça, agilidade, inteligência”; Homero, que claramente lhe forneceu inspiração para a épica nacional e nacionalista; Shakespeare, dramaturgo das grandes paixões em quem não encontrou nada a melhorar, sendo evidente, entretanto, a sua afinidade com Falstaff, não com Hamlet, e mais com a populaça shakespeariana do que com a sua aristocracia. Montaigne entra nisso, creio eu, por sua deliberada espontaneidade de visão e bonomia despreconceituosa, sendo previsível que manifeste reduzida admiração por Machado de Assis e quase nenhuma, por surpreendente que pareça, por Euclides da Cunha – por motivos opostos a Montaigne e malgrado o empenho nacionalista e pouco convencional da sua obra.

O populismo de João Ubaldo Ribeiro nada tem em comum com o de Bubu de Montparnasse, qualificado por T. S. Eliot de lacrimejante e patético, havendo entre ele e Charles-Louis Philippe a diferença irreparável, também acentuada pelo crítico inglês: “Philippe is almost without humour”, ingrediente que, ao contrário, caracteriza com abundância não só a obra inteira, mas a própria visão de mundo de João Ubaldo Ribeiro. É curioso que, amplamente estudado e discutido enquanto tendência ideológica e política, não haja, praticamente, nenhum estudo substancial a respeito do populismo literário, acrescendo que, num caso e noutro, os tratadistas se embaraçam nas mais inexplicáveis confusões cronológicas. Assim, por exemplo, Henri Bénac situa a “escola” populista francesa a partir de 1930, com Paul Lemonnier e André Thérive, esquecendo o clássico da matéria em seu país que é o mencionado Bubu de Montparnasse (l9OI). Contudo, ele a conceituou muito bem, atribuindo-lhe o programa de “consagrar o romance à pintura das classes populares, repudiando, entretanto, as teorias sociais e o estilo do naturalismo” – o que se concilia com os parâmetros propostos por Edward Shils para o populismo social, que “identifica a vontade do povo com a moralidade e a justiça, situando-a acima dos demais mecanismos e normas, e insistindo em relações diretas entre o povo e o governo. É habitualmente acompanhado pela crença simples nas virtudes do povo, em contraste com o caráter corrupto das degeneradas classes dirigentes ou qualquer outro grupo ressentido por causa de sua posição de domínio político ou econômico ou ainda por seu status social” (Leopold Labedz, v. “Populism”, The Harper Dictionary of Modern Thought, 1977).

No que se relaciona mais diretamente com João Ubaldo Ribeiro, tanto Regis C. Andrade (Perspectives in the study of Brazilian Populism, 1977) quanto o Dicionário Histórico-biográfico Brasileiro (l984) para mencionar apenas dois pontos de referência entre tantos outros identificam o período populista com a II República (l945-1964), ignorando uma realidade que, entretanto, salta aos olhos: a mentalidade e os princípios populistas conformam nossa vida política e social a partir da Revolução de 1930 (desencadeada em nome dos seus postulados), prolongando-se sem interrupção até 1964 e retomando os seus direitos na década de 1990 após o regime militar. A prova está, em prosa e verso, na literatura proletarista da década de 30, onde se encontram, em “garfagem” com a obra de Jorge Amado, os troncos essenciais de João Ubaldo Ribeiro.

Por curiosa e significativa coincidência, já por mim assinalada na História da inteligência brasileira (VII), é justamente a essa altura que começa a ser conhecido no Brasil o romance de Michael Gold (l894-1967), Jews without money, cuja influência sobre os romancistas de esquerda ainda espera o seu analista. Estávamos então, observei na referida passagem, “em plena literatura populista, com a sua mistura tradicional de sentimentalismo, protesto social e poesia triste; claro, a influência desse romance foi mais extensa que profunda e mais na temática do que nas técnicas, mas a atmosfera social e política favorecia o romance populista, miserabilista e proletarizante: à medida mesmo em que se estabilizava e consolidava a revolução-literária do Modernismo, ou seja, à medida em que a literatura, como tal, se tornava cada vez menos revolucionária, a Resolução se tornava cada vez mais literária. Ainda em 1944, escrevendo no Daily Worker, de Nova York, Samuel Putnam observava que judeus sem dinheiro persistia como “uma fonte de inspiração no Brasil”; célebre, igualmente, por seus quadros de conteúdo social e populista, Lasar Segall (l89l-l957) foi homenageado com o número especial da Revista Acadêmica em junho do mesmo ano.

De Cacau (l933) a Os subterrâneos da liberdade (l954), Jorge Amado foi populista ideológico e político e, mais do que isso, o “sectário” que agora condena com palavras candentes; a partir de 1958, com Gabriela, cravo e canela, ele enceta o processo que, transformando-o gradativamente em populista sentimental e pitoresco, acabaria por identificá-lo cada vez mais com João Ubaldo Ribeiro – inclusive pelo contingente humorístico ausente por completo na sua primeira fase -, ao contrário da ilusão de ótica que nos leva a identificar João Ubaldo Ribeiro com Jorge Amado. O que, na verdade, os assimila um ao outro são as suas raízes comuns no solo literário do Brasil. Escrevendo sobre O sorriso do lagarto (l989), observei que, no idioma romanesco de João Ubaldo Ribeiro, o vocabulário e a semântica provêm de Jorge Amado (o segundo Jorge Amado), mas a sintaxe é de natureza alencariana. De fato, pode-se ver no populismo contemporâneo a metástase psicológica e circunstancial do nacionalismo romântico: conforme já foi sugerido, a novela proletária dos nossos dias é apenas um tipo de pastoral, e o próprio Jorge Amado delimitou, com grande agudeza, as duas vertentes fundamentais do romance brasileiro, a de Alencar e a de Machado de Assis,

indo um na direção do romance popular e social, com uma
problemática ligada ao país, aos seus problemas, às causas do
povo, marchando o outro para o romance dito psicológico, com
uma problemática ligada à vida interior, aos sentimentos e
problemas individuais, à angústia e à solidão do homem, sem, no
entanto, perder o seu caráter brasileiro.

Assim, as “linhas de vida” dos dois romancistas entrecruzam-se de forma mais complexa do que pareceria à primeira vista. Em 1958, depois do choque traumático da destalinização, Jorge Amado deixou de ser um romancista “político” no sentido imediato da palavra; duas décadas mais tarde, para o João Ubaldo Ribeiro de Sargento Getúlio (l971), que marca a sua verdadeira estréia literária no plano de grandeza que lhe pertence, a destalinização não significava nada mais que um fato histórico, não somente superado mas ideologicamente incontestável, aliás pouco agradável de recordar. Assim, ele pode ser populista como o Jorge Amado da segunda fase, sem ser político, nem ideológica, nem partidariamente. Com o jornalista de Playboy que lhe perguntava se jamais se filiara a algum partido, entabulou um diálogo que vale a pena recordar:

JOÃO UBALDO -Já quis ser comunista, mas nunca fui. Fui
simpatizante, inocente útil, como quiserem chamar. Hoje,
evidentemente, não penso em me filiar a nada. Quero minha
independência. Tenho que ficar é solto.
PLAYBOY -Mas você não tem ligações com o PT? Especulou-
se que você poderia ser ministro da Cultura se Lula tivesse
ganhado (sic) a eleição presidencial.
JOÃO UBALDO -Embora não seja uma mentira, é uma distorção.
Houve apenas uma consulta do deputado Domingos Leonelli (ex-
deputado federal pela Bahia; não se reelegeu), que me perguntou
se eu colaboraria no governo Lula. Respondi que não sabia o que
fazer, mas não me negaria a ajudar o governo do meu país. E eu
ajudo o país não fazendo nada. Eu apenas votei – e não votei
muito contente, pois não sou lulista, não.
 

Não hesitei em qualificar Viva o povo brasileiro (l984) de obra prima, apesar desse título infeliz, substituído com inegável vantagem e grande força sugestiva na tradução em língua inglesa, por ele mesmo realizada (An invincible memory, Nova York, 1989). Há quem prefira Sargento Getúlio, mas o paralelo não se justifica, dada a diferença de escala entre os dois romances. É certo que, por sua natureza unitária e monológica, Sargento Getúlio exige menos do leitor, principalmente no que se refere à cultura geral e malgrado o idioma regional em que foi escrito. Viva o povo brasileiro, de seu lado, antepõe ao leitor comum as mesmas dificuldades com que se deparou a resenhista do New York Times Book Review (l6/4/l989): escrito em estilo episódico, não linear, o livro é uma espécie de jogo da amarelinha histórico, embora o movimento geral nos conduza até a realidade dos nossos dias. A complexidade da intriga, concluía Mary Morris, exige leitores “well versed in Brazilian history”, sugerindo a utilidade de um quadro genealógico ou cronológico, que certamente ajudaria o leitor norte-americano. E até o brasileiro, acrescento por minha conta…

João Ubaldo Ribeiro propõe urna visão ideológica da nossa história, estruturada no populismo e no nacionalismo (valores para ele indistinguíveis e intercambiáveis), o que implica, está claro, o inevitável maniqueísmo romântico na construção dos personagens e o irrealismo historiográfico que ignora, precisamente, o que a história tem de… histórico. Destinado a privilegiar os episódios que, ao longo dos séculos, vieram consolidando a famosa Irmandade do Povo Brasileiro (invasão holandesa, Independência, Farrapos, Guerra do Paraguai, Abolição, República, Canudos), a cronologia vai de 1647 a 1977, mas através de distribuição irregular: há apenas um episódio para os anos de 1809, 182I, 1826,1836,1839, 1841, 1842,1853,1865, 1869,1870,1896,1889, 1898, 1939, 1972 e 1977; dois episódios para 1647,1822 e 1897; três para 1846 e 1866; quatro para 1863 e 1871; finalmente, doze para 1827, que se toma, assim, o momento central ou o eixo em tomo do qual todas as cenas se articulam – e, com elas, a fascinante história da Irmandade do Povo Brasileiro vista pelo prisma certamente deformante do populismo e do nacionalismo. Valeria a pena averiguar o que significa essa concentração de interesse em 1827 e a parcimônia no tratamento de 1870, ano de decisiva significação na nossa vida social e política, conforme Sílvio Romero assinalou em páginas conhecidas.

O romance de João Ubaldo Ribeiro foi escrito por um ideólogo em luta constante contra o romancista ou por um romancista em luta constante contra o ideólogo: a vitória coube à literatura brasileira, porque foi afnal o romancista que se sobrepôs ao ideólogo e o obrigou a escrever um grande romance em lugar do mau panfleto polêmico e simplista de que restam, aqui e ali, alguns traços inoportunos. Trata-se de saber, bem entendido, o que é brasileiro nesse território semântico, porque a palavra é plurissignificativa e designa realidades tão variadas, nem por isso menos autênticas, que levariam os nacionalistas convencionais à beira de apoplexia, se os nacionalistas, como quer Abgar Renault, ficam indignados ao saber que o Brasil não foi descoberto por brasileiros. Há uma noção arqueológica do que é brasileiro, definida pelo famoso “triângulo racial” mais as terras do Nordeste: esse, na sabedoria coletiva, é o Brasil, “autêntico”, anterior e superior à corrupção cosmopolita dos grandes centros urbanos, nomeadamente ao afluxo da imigração estrangeira a partir do século XIX.

Em O sorriso do lagarto, João Ubaldo Ribeiro sublimou em conflito metafísico entre o Bem e o Mal a sua hostilidade orgânica contra o estrangeiro em geral e, em particular, contra o capitalismo norteamericano:

O sorriso do lagarto é um livro que lida com a má administração
do tempo que a humanidade passa na Terra. Acho que escrevi,
sim, um romance sobre o mal, que fica transparente na atitude de
uma grande parte da classe dominante brasileira – ela detesta
nosso país, ela detesta o que nós somos e acoberta todas as
violências: a mortalidade infantil, a violência nas cidades, a
miséria. Quis escrever um livro sobre o aniversário (sic, por
adversário) que existe em cada um de nós, sobre a figura de
Satanás.
(LEIA, dezembro, 1989)
 

As inquietações metafísicas e sociais parecem encontrar alguma revalidação nos estudos científicos a que se entregou no passado,conforme declarou ao Jornal da Bahia (3/9/1983):

Eu tenho a impressão de que é por causa da minha mania de
biólogo. Eu já tive microscópio, protozoários, essas coisas. A
história é uma espécie de brincadeira que ainda está muito
nebulosa na minha cabeça. Diz respeito à relação de concorrência
das espécies. O que vou dizer é um lugar-comum para os “meus
colegas” biólogos, mas não deixa de ser interessante. O homem
na sua posição de hominídeo (não de homo sapiens), tem no
máximo uns 5 milhões de anos sobre a face da Terra (está nos
livros de pesquisas, estudos científicos etc.). Talvez vítima de sua
própria inteligência, é uma espécie que se julga permanentemente
dominadora do planeta. Ora, os dinossauros passaram mais de
500 milhões de anos mandando um pedaço e depois sumiram
como que por encanto. ( .. ) Eu acho que o diabo existe. O mal
existe. Não se trata de uma coisa dialética. Já passei da fase de
tentar ser comunista. Mas, enfim, essa é a idéia: O Sorriso do
Lagarto.
 

Tudo isso indica que as investigações científicas foram apenas marginais e incidentais na carreira de João Ubaldo Ribeiro, cuja formação acadêmica, segundo ele mesmo revela, sendo, embora, “rigorosa”, parece ter se concentrado em Ciência Política, disciplina que chegou a lecionar na Universidade da Bahia. E “eu sou político”, declara ainda hoje, sugerindo, entretanto, que a política é apenas o instrumento da realidade chamada economia. Ele inverte, assim, sem o saber, o postulado célebre com que o barão J.-D. Louis (l755-l837) impugnava o marxismo por antecipação: “Faites-moi de bonne politíque et je vous ferai de bonnes finances”. Desiludido, ao mesmo tempo, do marxismo e do liberalismo convencional, João Ubaldo Ribeiro ainda assim coloca a política no centro de todas as coisas, “porque a política se relaciona com toda a estrutura de poder de uma sociedade e tudo o que ocorre tem a ver com essa estrutura”. Eis porque o barão Louis bem pode ter razão contra João Ubaldo Ribeiro e contra o marxismo, tópico que não importa discutir neste momento.

Seria interessante averiguar, entretanto, se a curiosidade científica de João Ubaldo Ribeiro está na origem de O Sorriso do lagarto ou se, ao contrário, foi a concepção do romance, estruturado, como se sabe, história tenebrosa de engenharia genética, que o levou a indagações e leituras apropriadas. Ambas as hipóteses são verossímeis, tanto mais que ele incorpora o mistério biológico no mistério metafísico, porque o livro “tem a ver com o mal” e também com o diabo.

Despertando, como é natural, a maior curiosidade, o título foi assim explicado pelo autor:

O título é uma metáfora, pois é claro que não há prova científica
de que existem lagartos que sorriem. Um canadense, cientista,
chegou a me procurar pensando que eu escrevia uma história
sobre a evolução dos dinossauros. ( .. ) Mas o sorriso do lagarto
não se refere necessariamente a uma vingança dos dinossauros e
lagartos. E no romance o protagonista nem é o lagarto.
(LEIA, dezembro, 1989)
 

Explicação que, como se vê, não explica nada, já que não podemos perceber o sentido da metáfora. Observei por ocasião do seu aparecimento que:

o livro é, em grande parte, o que Ana Clara projetava sob o título
amadiano (segunda maneira) de ‘As venturas de Amanda
Cienfuegos, ou A ruindade recompensada – obra moral e
educativa,contendo lições sobre o Amor,o Dinheiro e a Felicidade
sem trabalho ” mas é também o que João Pedroso se preparava
para escrever sobre a crescente dominação do poder político e
econômico nas pesquisas científicas de engenharia genética.
Aqui entra, ao que parece, o sorriso do lagarto, espécie conhecida
pela capacidade de regenerar os apêndices eventualmente
mutilados (quase sempre como técnica de fuga). O título, com
suas implicações metafóricas, pode ter sido sugerido pelo de
Salman Rushdie (The jaguar smile, 1987), ele próprio inspirado
na quintilha do folclore nicaragüense em que a menina sorridente
saiu a passeio montada num jaguar; quando voltaram, com a
garota dentro do jaguar, era ele que sorria.
(JORNAL DA Tarde São Paulo, 16/6/1990)
 

A semântica amadiano-ubaldista é de essência ideológica algo desmonetizada em nossos dias, confinada ao marxismo vulgar que caracteriza tanto um quanto outro, pelo menos nas suas persistências retóricas.

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