19:55Meu mestre emprestado

por Martha Feldens
 

Quando Wilson Martins voltou ao Brasil, no início dos anos 90, foi crítico do caderno Ideias, do Jornal do Brasil. Na época, eu era a correspondente do JB em Curitiba e fui encarregada pela então editora do Ideias, Luciana Villas-Boas (que viria a tornar-se a principal executiva da editora Record) de fazer uma entrevista com o mestre. Apesar dos anos de experiência, preparei-me como uma foca para a entrevista. Sabia que entrevistaria um dos homens mais cultos que jamais conhecera. Foi bom preparar-me, mas aquele receio de fazer papel ridículo diante do entrevistado (quem é repórter sabe do que estou falando) revelou-se totalmente infundado. O mestre sabia muito, mas era um homem doce e simples, muito a fim de se fazer entender. Saiu uma entrevista bonita, cheia de provocações minhas em relação à literatura paranaense e seus autores, às quais o entrevistado não se furtou em absoluto a responder. Não teve medo de polêmica, não quis agradar por agradar, não aderiu ao elogio fácil para ficar bem com os seus pares. 

Com o tempo, fiquei quase amiga do meu “colega” de JB. Nessa época, ele ainda datilografava e enviava pelo correio a sua coluna semanal. Dispus-me a digitá-la e enviá-la não ainda por e-mail, como hoje em dia, mas por um sistema complicado que usávamos então para enviar nossas matérias para o jornal. Ele aceitou. E eu, humildemente, toda a semana buscava o artigo na portaria do prédio dele, ali na João Gualberto, perto do Mercadorama, e levava para o escritório para digitar. Lia em primeiríssima mão (antes ainda dos editores do caderno) a crítica da semana do caderno Ideias, para mim um grande privilégio. Diferentemente, porém, de seu modo de falar, professoral e didático, suas críticas eram complexas e seus textos nada simples. Mas aprendi a ler esses textos e extrair seus ensinamentos. 

O Paraná perde um dos seus mais ilustres intelectuais. E eu perco um professor que um dia tomei emprestado da minha trajetória profissional. Como jornalista, cruzei com outros mestres ilustres, mas acho que o mais ilustre deles acabo de perder.

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