18:25HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

Era uma maleta de couro já gasto. Preta. Grande. Cabia direitinho a marmita. Ao voltar do trabalho ele deixava-a em cima da mesa de madeira com pintura azul carcomida. Parecia tudo cronometrado. O garoto de barriga grande e calças curtas subia na cadeira, pega a dita, e no rádio pequeno de tela bege entrava no um programa nordestino onde o forró comia solto. O menino fechava os olhos e imitava alguém que um dia viu no circo mambembe que passou por ali, no bairro pobre, no terreno baldio, tocando a sanfona cheia de teclados. Na cabeça dele o fole que havia na maleta preta da marmita era o mesmo do instrumento que não lhe saía da lembrança, assim como o som, que era igual àquele do rádio, diário, naquele horário. E ele imitava o sanfoneiro percorrendo os dedos da mão direita no teclado e os da esquerda nos botões do baixo. O pai, sempre calado, olhava de longe. Um dia, num sábado, apareceu com um pacote e deu para o menino. Era uma pequena sanfona vermelha que encheram os olhos do garoto. Mas ele nunca tirou uma música dali. Só um amontoado de notas. O pai imaginava que o guri ia repetir o que vira muito no Nordeste, gente aprendendo de ouvido. Jamais pensou em colocar o filho numa escola de música ou contratar alguém para lhe ensinar, mesmo porque o salário sempre foi mínimo. A sanfona um dia foi parar em cima do guarda-roupa. E sumiu no tempo. O menino não pegou mais a outra sanfona, a sem teclado, a recheada de marmita de alumínio com restos de comida. Mas a música ficou para sempre nele.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.