17:55Esperei por ti

de Nelson Padrella

Esperei por ti a tarde inteira
como quem espera um milagre.
Pratiquei os sinais mágicos que inventei
e senti perfume de flores.
Preparei a pele para a carícia das tuas mãos
mas não preparei o espírito para a ausência.
Esperei por ti nas manhãs de maio
que são as mais propícias ao amor.
Quando veio o frio inverno
eu me preparei para outros maios vazios.
Quando a noite chegava eu deixava a porta aberta.
Tu podias chegar de surpresa.
Eu escutava passos no jardim.
O vento falava com tua voz.
Ainda te aguardo. Não sei quem és.
Os dias já não estão agitados.
Mais um maio passou.
Rasgo a página do calendário.
Vou para dentro de mim. É onde te encontro.
Caminho contigo pelas alamedas.
Converso com tua voz no vento.
Às vezes, inaudível apelo me diz que tenho que ir.
Olho o horizonte e não sei para onde.
Talvez deva seguir o vento.
Sim, o vento.
É então que cavalos galopam na areia molhada.
É então que uma verde grama cerca o deserto
e uma calma brisa adoça o mar.
Na mais longínqua duna passa uma caravana.
Meu amor pode estar lá.
Os oásis estão cheios de flores, as tamareiras estão prenhes.
Nesta rua do Cairo coisas acontecem.
O fumo da taverna é um convite.
Abraço companheiros, rio, fumo.
Talvez deva seguir agora.
Permaneço mais um momento. Há um rosto no escuro.
velado por cortinas, sugerido.
Talvez seja apenas um desenho
mas é o rosto que amo.
Eu fumo e rio, mas o espírito está pesaroso.
Agora estou passeando pela margem esquerda do Nilo
seguindo apenas o vento.
Da memória atávica de um tempo que não vivi
acorrem-me lembranças
de faraós.
Pelo Nilo descem embarcações carregadas.
As canções talvez sejam as mesmas
como mesmo é o vento que chega do deserto.
Eu estou menino passeando pela margem esquerda do Nilo.
Eu acordo em mim o sentimento de um amor que não foi meu.
Desde ontem eu já carregava estas pedras.
Talvez tenha ajudado a erguer alguma pirâmide.
Quem me encanta com a voz escondida no vento
e me canta canções que um dia amei?
Que corpo se confunde com as tamareiras
e me faz um sinal que só eu vejo?
Sou eu este que bebe deste cantil
ou eu sou aquele que ontem bebia numa fonte
cercada pelos perigos do deserto?
Pois me vejo aqui e me sinto ontem
andando por esta mesma margem esquerda do Nilo
acompanhando a caravana que ia para Nínive.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.