10:41Gênio da véspera e a besta do dia seguinte

A verdade, é que vinha de longe minha admiração por ….. Eu achava que o Brasil precisava, inclusive, dos seus defeitos. Ouvia dizer: – “É um louco!” Mas não via o menor inconveniente nas suas danações. Entre a mediocridade e a insânia (com uma orla de gênio), eu preferia a insânia. Sim, antes um possesso na Presidência do que os idiotas, passados, presentes e futuros.

Assim pensava eu. E, de repente, vem o insano genial e começa a berrar: -“O tarado de ….!” Por outro lado, quando se referia à equipe da ……., ele exclamava: – “Canalhas! Canalhas!” Não concedia nem uma compassiva exceção ao pessoal da faxina. Seria ótimo se, por um forte sentimento interior, eu passasse a achar o gênio da véspera a besta do dia seguinte.

Lembro-me que, de vez em quando, ligava o rádio para ouvi-lo. Dentro de mim estava aberta a ferida, e repito: – a ferida pingava sangue. Mas o homem começava a falar e eu reconhecia, de mim para mim, numa amargura medonha: – “Como fala bem esse desgraçado! Que orador formidável! Rui não chegava nem aos pés! Nem Joaquim Nabuco!” Se o meu nome surgia, eu desligava. Quantas vezes, disse, lá em casa: -“Um cachorro! Só dando um tiro na boca!” Bem que eu queria sapatear em cima da admiração como se esta fosse uma víbora.

O texto acima foi escrito por Nelson Rodrigues em sua memórias e publicado em 16 de março de 1963. Para quem quiser, os espaços em branco podem ser adaptados para personagens atuais da vida pública da província. No original, Nelson Rodrigues falava dos ataques de Carlos Lacerda a ele, Nelson, e ao jornal Última Hora, de Samuel Wainer, pouco antes do suicídio de Getúlio Vargas em 1954.

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