6:53Heróis de cantina*

por Luiz Gonzaga de Mattos*

Quanto vale o boné de um calouro?

Hoje, muito pouco. Tão somente o preço cobrado pelo seu diretório. Mas já houve tempo, em Curitiba, que um boné, principalmente os da Medicina e Engenharia, valia um bom dinheiro e havia quem os comprasse. Com a cabeça raspada e o adorno, com as insígnias do diretório acadêmico, estava garantido o sucesso nas domingueiras da Thalia ou em qualquer outro clube da cidade.

Antes de ser capital-ecológica, Curitiba teve sua boa época de cidade universitária, o que lhe valia a atenção de estudantes dos mais distantes pontos do país. E o ponto de encontro deles era o horário de refeição na velha sede da UPE, na “Carlos Cavalcanti”. Pela proximidade com a UPE, os velhos casarões da região da Paula Gomes transformavam-se em verdadeiros pombais, para abrigá-los. Uma época em que as imobiliárias tinham como regra básica não alugar imóveis para estudantes e solteiros. Assim, a saída era buscar por uma vaga numa dessas “pensões”. Mas, com o sonho de arrumar um lugar na CEU ou, então, conseguir alugar uma kitinete no Ambassador ou no São Paulo, dois prédios que tremiam nas madrugadas com as festas de seus moradores.

A Rua XV era a passarela dos universitários. Era o eixo principal, passando pelos cursos de Medicina, Odontologia e Direito, no velho prédio da Santos Andrade; pela Católica, na esquina com a Tibagi; alcançando a Federal, com sua cantina sempre agitada. Na Avenida João Pessoa, mais tarde Luiz Xavier, as rodas na frente da Guairacá e do Ouro Verde acompanhavam as saídas dos cinemas, o Palácio Avenida, o Ópera. Para ver quem pagaria o cafezinho, a moda era apostar na placa dos carros que passavam por ali, os reluzentes Simcas, Aero Willys, Itamarati e outras jóias da indústria automobilística nacional. O cafezinho servia também como aquecimento para as incursões, nas noites de sexta-feira e sábado, aos bailinhos nos diretórios acadêmicos, num clima em que a onda ainda era líquida.

Esta era Curitiba dos anos das passeatas estudantis pela Rua XV. Passeatas que saíam da cantina da Federal – do Zeca Cavichiolo – e da Católica (ali havia até mesmo um sofá especial com placa de bronze em homenagem à beleza de suas ocupantes e que era o regalo dos voyeurs) e tomavam a Rua XV de assalto, com as palavras de ordem da época, contra a ditadura militar. Depois da passeata, a volta ao bate-papo na cantina da faculdade.

Desse tempo restou, para alguns, a corrida aos arquivos dos tempos da repressão. Como se fosse uma certidão de ativistas da liberdade. Quando, na verdade, muitos foram mesmo é freqüentadores de cantina universitária.

 *Crônica publicada originalmente na Gazeta do Povo – por ocasião dos 300 anos de Curitiba –  e posteriormente no livro “300 e tantas histórias de Curitiba”, editado em 2002 pela Artes & Textos.

 * Luiz Gonzaga de Mattos é Jornalista

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