18:43HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Escorpião

Deixou até de frequentar aqueles locais porque sempre saía arrasado intelectualmente. Não abria a boca enquanto a falação rolava entre os intelectuais do expediente noturno. Parecia que tinham lido e assimilado tudo. Os pensamentos fluiam como o vazamento do banheiro sujo daquele boteco sujo. Ele ouvia e seus pensamentos… Nem tinha pensamentos, pois ficava aterrado, ele que amava o Capeto, cachorro do Fantasma, o da história em quadrinhos. Discutia-se tudo – e bebia-se também. Meninas embevecidas com tanta sabedoria sempre tentavam sorver um pouco daquilo no aquilo dos mais falantes. Os tempos eram politicamente incorretos e os machos era idolatrados, mesmo que machucassem. Ele sempre ia embora e se trancava no quarto onde um rádio lhe tocava as músicas que embalavam sua solidão. E escrevia, para ele mesmo, histórias do pensamento que, ali, no quarto de pensão de fundos, voavam em enredos simples onde capa, espada, mocinho, bandido, amor, ódio, sofrimento, alegria, vida, morte, Deus, Diabo, tudo fazia sentido. Pelo menos para ele. Guardava numa caixa de sapatos embaixo da cama velha e de colchão duro. Um dia não acordou. A turma do boteco não sentiu sua ausência. A dona da pensão não achou família. O novo morador acho a caixa de sapato. Começou a ler. Se encantou. Levou a um amigo que conhecia um amigo dono de editora. Disse que era dele. Espera a publicação do primeiro livro de contos.

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