10:35Avon chama!

O “Homem Invisível” captou a seguinte mensagem no Judiciário onde a Avon ganha queda de braço contra o Governo do Paraná na contestação do aumento da carga tributária sobre seus produtos. Confiram:

Processo:   374385-1 Mandado de Segurança (OE)
Comarca:   Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba
Natureza:   Cível
Órgão Julg.:   Órgão Especial
Relator:   Desembargador Oto Luiz Sponholz
Volumes:   4
Número Páginas:   693
Ação Originária:   200600007018
Nº Protocolo:   
2006.00178266
 

Partes do Processo – leia as observações abaixo
Tipo da Parte  Nome da Parte
Impetrante   Avon Cosméticos Ltda.
Advogado   Christiano da Rocha Kuster Neto
Advogado   Jaqueline Lobo da Rosa
Advogado   Gabriel Placha
Advogado   Adriana Marubayashi Angelozzi
Impetrado   Governador do Estado do Paraná
Impetrado   Secretário de Estado da Fazenda
Advogado   Carlos Augusto Antunes
Advogado   Pedro de Noronha da Costa Bispo
Advogado   Carlos Frederico Marés de Souza Filho
Litisconsorte Passivo   Estado do Paraná
Advogado   Carlos Frederico Marés de Souza Filho
Consulta Processual:
 Processo   374385-1 Mandado de Segurança (OE)
 Data   01/10/2009 13:15 – Registro de acórdão
 Tipo   Acórdão

Arquivo PDF Assinado 

MANDADO DE SEGURANÇA N° 374.385-1, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – ÓRGÃO ESPECIAL.

IMPETRANTE: AVON COSMÉTICOS LTDA
IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ E SECRETÁRIO DE ESTADO DA FAZENDA
LITIS. PASSIVO: ESTADO DO PARANÁ
RELATOR: DES. OTO LUIZ SPONHOLZ
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. MARGEM DE VALOR AGREGADO – MVA. PARCELA INTEGRANTE DA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO: 1) Conforme o disposto no artigo 8°, inciso II, alínea c, da LC 87/96, a margem de valor agregado é uma das parcelas integrantes da base de cálculo do ICMS no caso de venda porta-a-porta, cujo valor é, nos termos do artigo 8°, §3°, aquele sugerido pelo fabricante. 2) Para se chegar à margem de valor agregado, deve-se verificar, no caso concreto, os preços usualmente praticados na extensão territorial do mercado, obtidos por qualquer meio, mediante média ponderada dos valores encontrados. Esse é o procedimento legal a ser seguido pelos Estados e Distrito Federal para a fixação da MVA, cuja verificação no caso concreto demandaria dilação probatória não admitida na estreita via do writ of mandamus. ICMS. MAJORAÇÃO UNILATERAL DA MVA – MARGEM DE VALOR AGREGADO, PELO PODER EXECUTIVO, POR MEIO DE DECRETO ALTERADOR DO RICMS/PR. INFLUÊNCIA SOBRE A BASE DE CÁLCULO. CONSEQUENTE MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO, O QUE REDUNDA EM AUMENTO DA CARGA TRIBUTÁRIA. RESCISÃO UNILATERAL DE TERMO DE ACORDO FIRMADO ENTRE A IMPETRANTE E O PODER EXECUTIVO. AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO CONSTITUCIONAL AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE, SEJA SIMPLES OU QUALIFICADA, AO TRIBUTO EM DISCUSSÃO, RAZÃO PELA QUAL O TEXTO HOSTILIZADO DEVE OBSERVAR REFERIDO POSTULADO: O termo de acordo possui natureza jurídica de contrato administrativo, o qual pode ser rompido unilateralmente. Porém, se tal rompimento produz efeito imediato, consistente na majoração da base de cálculo do ICMS, referido ato administrativo deve observar, antes de tudo, o princípio da anterioridade (artigo 150, inciso III, alínea b, da CF/88), seja ela simples ou qualificada. Nada garante à impetrante, contudo, o direito de manter-se no regime especial, pois, conforme já decidido pelo STF, ninguém possui direito adquirido a regime jurídico.
Segurança concedida. Liminar confirmada.

 

VISTOS, examinados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança n.° 374.385-1, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, nos quais figura como impetrante Avon Cosméticos LTDA., impetrados o Governador do Estado do Paraná e o Secretário de Estado da Fazenda, e, litisconsorte passivo, o Estado do Paraná.

I – RELATÓRIO

AVON COSMÉTICOS LTDA. impetrou o presente Mandado de Segurança Preventivo contra ato do Governador do Estado do Paraná, em litisconsórcio passivo com o Secretário de Estado da Fazenda, no intuito de obstar os efeitos do Decreto Estadual nº. 7.018/2006, cuja eficácia iniciaria em 1º de outubro de 2006, a teor de seu artigo 3º.
Segundo a impetrante, tal ato revoga regime especial de tributação firmado por Termo de Acordo com o Estado do Paraná e aumenta a margem de valor agregado (MVA) do ICMS de 30 para 72%. Alega que o decreto está prestes a ferir-lhe direito líquido e certo, consistente em dar continuidade em sua atividade econômica à luz de regime especial de tributação do ICMS, bem como em continuar recolhendo o mencionado imposto estadual1 com base de cálculo apurada de acordo com o § 4º do art. 8º da LC nº. 87/96.
Infere-se dos autos que o ato normativo impugnado (Decreto nº. 7.018/2006) foi emanado para o fim de alterar o Regulamento do ICMS deste Estado, em pontos relativos a operações com mercadorias destinadas a revendedores para a venda porta-a-porta. Em seu artigo 1º, o decreto impugnado altera os artigos 480 e 481 do citado regulamento. No artigo 2º, o decreto revoga, a partir de 1.10.2006, todos os Regimes Especiais que concedem tratamento diferenciado àquelas operações. A impetrante restará afetada, portanto, na medida em que o Estado revoga o regime especial de tributação do ICMS e aumenta a margem de valor agregado.
Aduz a autora que tais alterações importarão dois efeitos a repercutir imediatamente em sua esfera jurídica: a) acréscimo MVA de 30% para 72%, o que ensejará aumento exorbitante e desarrazoado na base de cálculo do ICMS, a ser pago pela impetrante na qualidade de substituta tributária; b) revogação do Regime Especial relativo à tributação do ICMS – instituído por Termo de Acordo entre a impetrante e o Estado do Paraná (desde 1968, com atualização última em 1996), o qual se presta a viabilizar tratamento diferenciado às operações com mercadorias destinadas a revendedores para venda porta-a-porta.
Sustentou a impetrante que a revogação de tal Regime Especial ofende ato jurídico perfeito e direito adquirido que lhe fora outorgado. Aduz que a definição da base de cálculo do ICMS (acrescida de MVA em 72%), conforme pretendido pelo Estado do Paraná, define verdadeira “pauta fiscal”, o que é vedado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, o Decreto Estadual nº 7018/2006 violaria: o devido processo legal expresso pelo Convênio ICMS nº. 70/97, que estabelece o procedimento para a fixação das margens de valor agregado; o inciso IV do artigo 150 da Constituição Federal, que veda a instituição de tributo com efeito de confisco; o princípio da capacidade contributiva expresso pelo artigo 145, § 1º, da Carta Magna; bem como, por derradeiro, o princípio da anterioridade tributária (CF, art. 150, III, ‘b’).
Pediu a concessão de medida liminar, a fim de suspender os efeitos do ato impugnado até o julgamento final do presente writ; ou, alternativamente, fosse permitido o depósito do ICMS devido, como forma de garantia do Estado.
A liminar pleiteada foi parcialmente deferida às f. 63/78, apenas no sentido de suspender os efeitos futuros do Decreto 7018 e determinar o depósito mensal da diferença entre o valor do tributo pago nos termos do Acordo 1373/96 e o valor que seria devido caso a MVA fosse de 72%. Na mesma ocasião, solicitaram-se informações aos impetrados e, superada tal fase, foi determinada vista à Procuradoria-Geral de Justiça.
As autoridades apontadas como coatoras apresentaram informações às f. 123/131. Sustentaram que não houve majoração da base de cálculo do ICMS, mas apenas uma readequação da MVA, a fim de se obter o valor real das operações praticadas pelos revendedores, de modo a abranger custos antes desconsiderados no cálculo. Aduziram que não há qualquer alteração na base de cálculo do ICMS, pois esta será sempre o valor final da operação, nos termos da LC 87/96 e da Lei Estadual 11.580/96. Afirmaram ainda que o Decreto 7018/06 obedeceu aos ditames dos artigos 146, III, a e 155, XII, g, ambos da CF. Pugnaram, ao final, pela denegação da ordem, com cassação da liminar deferida.
A Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer lavrado pelos Drs. Luiz Eduardo Trigo Roncaglio (Subprocurador-Geral de Justiça) e Colmar José Ribeiro Campos (Promotor de Justiça), opinou pela concessão da segurança (f. 145/149).
O Estado do Paraná foi chamado para integrar a lide, na qualidade de litisconsorte passivo (f. 151), e citado à f. 159-v. Alegou que houve alteração na forma de tributação do segmento de atuação da impetrante, por conta do Convênio 06/2006, bem como monitoramento da média de lucro agregada aos produtos até o consumidor final. Aduziu ainda que o Decreto 7018/2006 possui amparo na LC 87/96, na Lei Estadual 11.580/96 e no Convênio CONFAZ 06/2006, pois teria havido apenas uma atualização formal para fixar o MVA real para fins de cálculo do ICMS na substituição tributária. Sustentou também que outras empresas do segmento já se submetem ao tratamento tributário atribuído pelo Decreto 7018/2006, e que referido ato normativo não ofende os princípios da anterioridade (simples ou qualificada), não-confisco, capacidade contributiva, devido processo legal e segurança jurídica.
Na mesma manifestação, o Estado do Paraná sustentou que não houve negativa de vigência ao convênio 70/97. Alegou necessidade de produção de prova pela impetrante de que a MVA de 72% é superior à praticada, o que faria inexistir direito líquido e certo. Aduziu a superação da tese de violação ao princípio da anterioridade pelo decurso de prazo. Pediu, ao final, a cassação da liminar antes deferida; o levantamento dos depósitos; e, no mérito, a denegação da segurança, por ausência de direito líquido e certo (f. 161/184). Juntou os documentos de f. 186/230.
O Estado do Paraná trouxe à lide novos documentos, obtidos posteriormente, ocasião em que requereu a cassação da liminar deferida initio litis (f. 244/332).
Com nova vista dos autos, a impetrante se manifestou no sentido de que o Estado do Paraná reconheceu o pedido formulado na petição inicial, pois teria imposto pauta fiscal presumida, ao elevar a MVA ao máximo apurado (72%).
A Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de manifestação de autoria do Subprocurador-Geral de Justiça, Dr. Valério Vanhoni, reiterou os termos do parecer de f. 145/149 (f. 352).
A liminar foi suspensa pela Presidente do STF, Min. Ellen Gracie Northfleet (f. 367/373 – SS 3284/PR).
O Estado do Paraná, à f. 378, requereu o imediato levantamento das quantias depositadas em Juízo pela impetrante. Sobre esse pedido, foi concedida vista dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, a qual opinou pela intimação da impetrante (f. 386).
A impetrante informou, à f. 416, que a Min. Ellen Gracie revogou a decisão antes proferida na SS 3284/PR em sede de juízo de retratação no Agravo Regimental. O trânsito em julgado da decisão denegatória de suspensão da segurança no STF consta às f. 445/451.
Com nova vista dos autos, a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo indeferimento do pedido de levantamento dos depósitos já realizados pela impetrante, por parte do Estado do Paraná (f. 455).
É o relatório.
II – O VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O mandado de segurança é ação constitucional que se submete à análise das condições da ação e pressupostos processuais do processo civil, que serão verificadas neste momento.

1. LEGITIMIDADE AD CAUSAM: verifica-se presente, eis que a impetrante resta afetada por ato emanado do Poder Executivo, o qual reflete diretamente em sua esfera jurídica, uma vez que se alega desrespeito pelo Estado aos direitos e garantias assegurados pela Constituição da República e pelo Código Tributário Nacional.

2. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO: o pedido mediato (bem da vida pretendido) da presente ação encontra amparo no artigo 150, incisos III, alínea b, e IV, da CF/88.

3. INTERESSE DE AGIR: a Avon Cosméticos Ltda. possui interesse na propositura do presente mandado de segurança, visto que tal remédio constitucional é apto a prevenir violação a direito líquido e certo, o qual não é amparável por qualquer outro remédio constitucional. A concessão da segurança lhe trará resultados práticos no mundo dos fatos. Por essas razões, encontra-se preenchido o requisito do interesse no caso concreto, visto que presente o trinômio necessidade-utilidade-adequação da via.
Quanto ao requisito temporal, sequer fluiu o prazo decadencial previsto no artigo 18 da Lei 1533/51, pois a impetração foi anterior à entrada em vigor do Decreto 7018/2006.
No tocante ao direito líquido e certo, passível de demonstração mediante prova documental pré-constituída, procede em parte a argumentação do Estado do Paraná.
De fato, a discussão quanto ao percentual aplicado no Decreto não cabe na via estreita do Mandado de Segurança. Seria necessário um amplo levantamento dos produtos comercializados pela impetrante, bem como a determinação do valor unitário de venda fixado no catálogo, o que exigiria ampla instrução probatória. Contudo, nada impede que a impetrante conteste o valor fixado a título de MVA em ação própria para esse fim.
Quanto aos pressupostos processuais intrínsecos, verifica-se que a petição inicial é apta (obedece aos requisitos dos artigos 282 e 283 do CPC), a citação do litisconsorte necessário foi válida e o feito seguiu seu regular trâmite. Com relação aos pressupostos processuais extrínsecos, não incide ao presente caso nenhuma das hipóteses previstas no artigo 301 do CPC.
Por essas razões, encontram-se preenchidas as condições da ação, incidentes os pressupostos processuais positivos e ausentes os pressupostos negativos, motivo pelo qual o presente mandamus merece conhecimento.

II. 2 – DO MÉRITO

Objetiva a impetrante, em síntese, a manutenção do regime especial de tributação constante no Termo de Acordo 1373/96. Sustenta a inconstitucionalidade do Decreto 7018/2006 por violação aos princípios da anterioridade e do não-confisco, além de lesar o ato jurídico perfeito, consistente no Termo de Acordo 1373/96.
Em conformidade com o artigo 8° da LC 87/962,

A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: (…) II – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: (…) c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes. (…) § 3º Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço.

A Lei Estadual 11.580/1996, que trata do ICMS no Estado do Paraná, em seu artigo 11, repete o mesmo dispositivo:

A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: (…) II – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: (…) c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes”.

Verifica-se, portanto, que a MVA, indiscutivelmente, integra a base de cálculo do ICMS. Inclusive, o §3° do artigo 8° da LC 87/96 estipula o procedimento a ser seguido pela autoridade administrativa para a sua fixação. A Lei Estadual 11.580/1996, por sua vez, no seu artigo 11, §2°, estabeleceu para fins de determinação do valor da MVA, que “existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, a base de cálculo será este preço, na forma estabelecida em acordo, protocolo ou convênio”. Portanto, neste tópico, a Lei Estadual 11.580/1996 está de acordo com o disposto no artigo 100, inciso IV, do CTN (os convênios celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são normas complementares às leis tributárias), bem como obedece aos ditames do artigo 8° da LC 87/96.
Um dos princípios norteadores do sistema constitucional tributário brasileiro é a anterioridade, cujas exceções estão arroladas taxativamente no artigo 150, §1°, da CF:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
§1° A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.

Assim, a anterioridade simples não se aplica ao empréstimo compulsório, Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras e imposto remanescente. Por sua vez, a anterioridade qualificada não se aplica ao empréstimo compulsório, Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto de Renda, Imposto sobre Operações Financeiras, imposto remanescente, fixação da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor e do Imposto Predial e Territorial Urbano.
Diante desse breve comparativo, percebe-se que a base de cálculo do ICMS deve obedecer tanto à anterioridade simples quanto à qualificada.
O Decreto 7018/2006 foi publicado no Diário Oficial do Estado em 09/08/2006, contendo norma que determinava a produção de seus efeitos a partir de 01/10/2006, conforme se verifica às f. 40/41. Tal ato, contudo, alterou a base de cálculo do ICMS para os produtos vendidos porta-a-porta, vez que majorou a MVA.
Nos termos do artigo 97, §1°, do CTN, “Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso”.
Conforme se verifica do texto do artigo 1° do Decreto 7018/2006, indiscutivelmente há uma majoração da base de cálculo do ICMS. E como se sabe, norma tributária que majora ou institui tributo somente passa a ter eficácia no exercício financeiro seguinte, salvo as exceções taxativamente previstas na Constituição. E o ICMS não se enquadra em nenhuma das exceções constitucionais à anterioridade. Há, portanto, uma clara violação ao princípio da anterioridade, seja ela simples ou qualificada, as quais se aplicam em sua plenitude ao ICMS, por ausência de exceção constitucional.
Nesse sentido, cumpre reproduzir trecho do parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça (f. 147/148):

“A Constituição Federal, em seu art. 150, inciso III, alínea “b”, veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
O aumento da carga tributária se faz direta ou indiretamente. Diretamente, mediante o estabelecimento de tributo novo ou aumento do percentual; indireto, quando se constata a ampliação da base de cálculo do imposto. No caso, a majoração indireta da tributação via aumento da base de cálculo, o que só deve ocorrer quando houver anterioridade da autorização legislativa (art. 150, II, “b”da Constituição Federal).
(…)
Neste viés, verifica-se que os efeitos jurídicos do Decreto n° 7.018, de 09.08.2006, tiveram eficácia concreta e imediata na esfera patrimonial da impetrante a partir de 1°/10/2006 (fls. 40-41), conforme art. 3° desse Decreto (fls. 41), sem, contudo, houvesse observado o princípio da anterioridade.

Todavia, não há de se considerar inconstitucional o Decreto 7018/2006, pois ninguém possui o direito de não ser tributado. O Termo de Acordo firmado entre a impetrante e o Estado do Paraná (litisconsorte passivo) possui natureza jurídica de contrato administrativo incondicional e, em princípio, pode ser rescindido unilateralmente. Isso impede que a impetrante se mantenha eternamente no regime especial de tributação, pois ninguém possui direito adquirido a regime jurídico.
Nesse sentido trilha a jurisprudência do STF:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. IMUNIDADE. CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CEBAS. RENOVAÇÃO PERIÓDICA. CONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. OFENSA AOS ARTIGOS 146, II e 195, § 7º DA CB/88. INOCORRÊNCIA.
1. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social às contribuições sociais obedece a regime jurídico definido na Constituição. 2. O inciso II do art. 55 da Lei n. 8.212/91 estabelece como uma das condições da isenção tributária das entidades filantrópicas, a exigência de que possuam o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, renovável a cada três anos. 3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de afirmar a inexistência de direito adquirido a regime jurídico, razão motivo pelo qual não há razão para falar-se em direito à imunidade por prazo indeterminado. 4. A exigência de renovação periódica do CEBAS não ofende os artigos 146, II, e 195, § 7º, da Constituição. Precedente [RE n. 428.815, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.6.05]. 5. Hipótese em que a recorrente não cumpriu os requisitos legais de renovação do certificado. Recurso não provido.
(STF, 2ª Turma, RMS 27093/DF Relator Min. Eros Grau, Julgamento em 02/09/2008.

Ressalte-se que não se está a analisar se a majoração da MVA está ou não estabelecida em patamar correto, vez que essa matéria escapa à via estreita do writ. Afirma-se somente que o Estado pode rever os termos do acordo anteriormente firmado com a impetrante. Se a revisão dos patamares foi legal ou não, deve ser discutido em ação própria.
A tributação, contudo, deve obedecer às garantias constitucionais estatuídas em favor do sujeito passivo. Uma interpretação constitucional faz com que referido diploma normativo produza eficácia a partir de 01/01/2007, e não em 01/10/2006.
Assim, há de ser deferido o levantamento, pela impetrante, das quantias por si depositadas até dezembro de 2006; e a conversão em renda, pelo Estado do Paraná, das quantias depositadas a partir de janeiro de 2007. Dessa forma, considerando que a impetrante vem pagando o MVA no valor de 30% e depositando os 42% em juízo, dá-se cumprimento à garantia constitucional da anterioridade tributária: até dezembro de 2006, o cálculo do ICMS deve levar em conta a MVA na ordem de 30%. A partir de janeiro de 2007 (inclusive), com a entrada em vigor do Decreto impugnado, o Estado do Paraná tem direito ao cálculo da MVA na ordem de 72%. Por essa razão, poderá o Estado levantar a diferença de 42% depositada mensalmente desde janeiro de 2007.
Pelas razões expostas, conhecida a impetração, é de se conceder a segurança, confirmando-se a liminar, bem como determinar que as quantias depositadas em juízo, sejam levantadas pela impetrante (até dezembro de 2006) e pelo Estado do Paraná (a partir de janeiro de 2007), nos termos do contido no voto e em sua fundamentação.

III – DECISÃO

ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer a impetração, conceder a segurança, confirmando a liminar, e determinar o levantamento dos depósitos judiciais, nos termos do contido no voto e sua fundamentação.
Presidiu a Sessão o Excelentíssimo Senhor Desembargador Carlos Hoffmann.
Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jesus Sarrão, Regina Afonso Portes, Ruy Fernando de Oliveira, Ivan Bortoleto, Celso Rotoli de Macedo, Dulce Maria Cecconi, Eraclés Messias, Sérgio Arenhart, Miguel Pessoa, Antenor Demeterco Junior, João Kopytowski, Augusto Lopes Cortes, Paulo Roberto Vasconcelos, Paulo Habith e Costa Barros.
Curitiba, 21 de agosto de 2009.
DES. OTO LUIZ SPONHOLZ
Relator
1 O recolhimento é feito na condição de substituta tributária “para frente” de suas revendedoras autônomas varejistas
2 “Lei Kandir”, que estatui normas gerais acerca do ICMS, de observância obrigatória por todas as Unidades da Federação.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.