6:33As bailarinas do Centro

De um cronista anônimo

Todo dia faço tudo sempre igual. Sou o funcionário, e elas, as bailarinas. Chico contaria melhor essa história, mas aqui vou eu, curitibanamente, narrar minhas aventuras matinais.

Trabalho no centro. Vou pro expediente depois de largar os filhos na escola. São sete e meia da manhã e caminho cinco quadras até o escritório. No trajeto, tem elas, as bailarinas.

São as putas do centro, largando o batente. Passo por elas todo santo dia naquela calçada. Dançarinas, strippers, meninas da noite, gurias perdidas, prostitutas novas ou mais rodadas. Loiras falsas, ruivas manchadas, morenas envelhecidas antes do tempo. De manhã cedo assim, vejo-as a luz do dia: banhas pulando de shorts apertados. Coxas grossas, celulites, barrigas espremidas em roupas de brilho gasto. Olhos borrados, peles opacas e batons apagados.

Depois do trabalho duro, que encerra lá pelas 3 ou 4 da madruga, elas vão pro “after hour” merecido – que afinal de contas, puta também tem que curtir com os amigos ao sair do expediente, como todo trabalhador. É um happy hour as avessas – o povo da noite estica a jornada num lugar próximo das boates, mistura de bar, restaurante, pista de dança e ponto de encontro dos perdidos do pós-tudo da madrugada.

Pois então. Puta não é barulhenta?

Puta briga na rua. Fazendo escândalo. Espichando o drama. Portanto quase todo dia, sete da matina, tem frege na calçada. Viradas, meio bêbadas, elas gritam. Sacodem a bolsa, batem com o salto no chão – periga voar sapato, peruca, casaco. Puta briga com puta, puta briga com o cafetão, com o dono do bar, com o cliente que passou do limite, com o homem que não pagou a última cerveja, com o travesti que lhe toma ponto ou freguesia, com a falsa amiga que lhe roubou o perfume, e por aí vai.

Logo elas se acalmam. Sigo eu pro escritório. Vamos nós todos assim – os demais, o resto das gentes – seguindo pelas ruas da cidade enquanto elas vão para casa dormir. Nós funcionários, elas, as bailarinas da calçada.

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