19:22Alguém lá fora

por Thea Tavares

Alguém lá fora está feliz. É sinal de que o calor não sufocou a brisa úmida da primavera que persiste nessa entrada de dezembro.

Às quatro e meia da manhã, horário de verão, alguém não quis desperdiçar a escuridão que convida aos arroubos passionais, já que o dia pertence à razão, para, de dentro do carro, gritar diante do prédio da moça: “Eu te amooooo”!

Ao expressar-se, o rapaz contou para todos, mesmo àqueles que ouviram contrariados e sonolentos, que é feliz, que é fim de semana, fim de ano e que a vida só floresce se o motor essencial da paixão estiver funcionando; ligado e com picos de intensidade, que iluminariam toda uma grande cidade.

Apesar das adversidades da vida urbana, das manchetes dos jornais, a vida se manifesta, na calada da noite, com um sonoro “Eu te amooooo”!

Todos esses românticos pensamentos passaram pela cabeça da moça ao ouvir o arauto da persistente primavera. Mas o encanto durou pouco; dissipou-se aos primeiros raios de racionalidade daquele dia. Bastou ela saber pela vizinhança que o seu próprio coração era o feliz destinatário da flecha do cupido e que seu nome fora ouvido pelo quarteirão inteiro. “Como é que é?”, estranhou a garota. “Quem ele pensa que eu sou?”. E, alegando total inocência diante da insone massa de moradores das imediações, reclamou: “Ele andou bebendo? Não precisava acordar todo mundo. É bem coisa de piá pançudo!” Na sua cabeça, de pensamentos que só fervilham à luz do dia, e com os dentes escovados, o rapaz deveria ter descido do carro, tocado o interfone e, em hora apropriada, lhe comunicado seus sentimentos. Tudo dentro dos conformes e dos padrões de civilidade.

E foi assim que ela lavrou a sentença condenatória daquele amor: “Que mico”! Talvez e até mesmo por esse motivo é que a temperatura tenha repentinamente despencado no fim de semana em Curitiba.

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