16:53Vida roubada

O que levava cravado em seu íntimo era secreta e especialmente doloroso e ninguém sabia o quanto sofrera, quanto seu coração se amargurara anos a fio, quanto chorara escondido, rezando para não ter mais pena de si mesmo, quanto se sentira vazio, infeliz, sozinho, traído, abandonado e solto como uma folha seca que o vento vai revirando pelo chão no meio da poeira, o quanto se vira sem amparo nem futuro, sem vontade de falar com ninguém e só não indo ao pondo de querer a morrer, mas desejando jamais ter existido. Existia, sabia que existia, mas havia momentos, pelo menos um por dia, em que quase doía e o deixava om falta de ar e vontade de sair do próprio corpo, a sensação de que lhe furtaram a vida, de que trocaram injustamente o seu caminho. Não por causa de bens ou títulos que não herdara, nada disso tinha grande valor para ele. mas por causa da vida mesmo, que talvez nem ria terminasse por ser, mas era a sua vida, que lhe haviam furtado. Não saberia explicar isso a ninguém e até para ele mesmoera em grande parte um mistério, sem base em nenhum fato que ele imaginasse. No entanto, ele não tinha dúvida de que fora lesado, de que tomaram sua vida, sim, que vida seria, que vida teria sido, qeu vida foi?

de João Ubaldo Ribeiro em O Albatroz Azul

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