Rogerio Distefano, no Maxblog (www.maxblog.adv.br), dá aula de texto, humor e culinária. Tudo por causa do alho. Acompanhem:
Nariz esbugalhado
Elevador no térreo, a porta se abre, o sujeito cumprimenta alegre, deixando a nuvem de alho circundante, envolvente, mais densa que cerração na serra. Subo os vinte andares com nariz tapado, protegido. Lá em cima denuncio o safo do alho à passageira da descida. Do jeito que olhou me senti culpado sem dúvida razoável.
Nada contra o alho, que inaugurou a arte culinária enaperfeiçoou o combate ao vampirismo. Mas alho não se come, nem se consome. Alho tem que ser sugestão, algo espiritual e abstrato. Metáfora de tempero, um dente apenas passado de leve no fundo da panela. Tolera-se nos restaurantes populares o alho fraudador, que mascara mau sabor e péssima qualidade dos gêneros. Admite-se a pílula de alho, que combate a hipertensão.
Não se justifica, recomenda ou autoriza, inadmissível o mergulho, o espojar-se nas variações de alho e óleo das falsas trattorias, a obscena concupiscência de embeber no pãozinho toda a dentição que nada no fundo do prato. Para depois, dois dias no mínimo, torturar ambientes e pessoas com o cheiro pestilento entranhado nas entranhas, que evanesce dos poros e glândulas.
Maçaricos de acetileno evocam vagamente o odor de alho. Vagamente, porque um viciado em alho equivale a dez maçaricos em ação. Uso legítimo, só como inibidor da sexualidade, pois nem um parceiro entupido aguenta outro parceiro entupido de alho. Mesmo os dois entupidos de desejos.