11:53Perly, o guru da madrugada curitibana

por José Maria Correia

O Perly um dos últimos grande boêmios de Curitiba. Fisicamente lembrava o personagem Bela Lugosi do filme “Ed Wood”, de Tim Burton. Quando aportou em Curitiba de volta do Rio de Janeiro, onde tinha vividos os últimos vinte e cinco anos na rua Barata Ribeiro, nº 200,um edifício treme-treme que foi até nome de peça de teatro, isto em 1980, escolheu o coffe-shop do Hotel Colonial, na rua Comendador Araújo, como o seu ponto de referência .

Metódico, aos setenta anos, Perly acordava todos os dias por volta das dezesseis horas e após um demorado chá da tarde cercado de mordomias, na casa dos Gândara, onde morava como hóspede permanente do casal Ruy e Joana D ARC, ela filha do ex-governador Moysés Lupion, seguia muito bem arrumado para a sua mesa do coffe-shop onde já o aguardava ansioso  o fiel garçom Antonio Colaço.

Ali, o expediente do Perly permanecia até o fechamento, isto lá pelas cinco horas da manhã. O ritual se repetia todas as noites, infalivelmente, com alguns intervalos para jantar no Scavollo, sempre  na mesma mesa, próxima da entrada, ao lado da escada. E ai de quem se atrevesse a ocupar uma das mesas do Perly! Tomava um esporro homérico e inesquecível.

O velho era irascível. Não sorria, era mal humorado e, entretanto, adorado e cultuado por todos, inclusive pelos garçons destratados todas as noites.

O fato é que para uma turma de notívagos, que andava ali pelas faixa dos 30 anos de idade, o velho fazia o papel de um guru, um oráculo com resposta para todas as indagações e  com soluções à mão para todos os problemas .
Foi chifrado por uma namorada ou traído por uma amante? “Procure o Perly”, sugeria prestativo algum amigo. Abandonado pela esposa ,dívidas no jogo , brigas com o cunhado , o Perly tinha a resposta pronta e a ele acorria uma legião de necessitados.

Em casos mais extremos e de urgência o Perly fazia concessões e atendia em sua casa. Porém, duas condições fundamentais tinham que ser respeitadas: ligar antes avisando e sempre depois das dezesseis horas.
Dizia o Luis Gavazzoni que, se alguém procurava o Perly à  tarde, é porque o caso era extremo. Ou, no popular, o cara estava era fodido mesmo.

Mas o Perly sabia como conduzir o assunto. Primeiro contava uma desgraça similar que havia acontecido com outro amigo (sempre no Rio de Janeiro), depois contava que o mesmo problema também havia acontecido com ele, para colocar o seu visitante à vontade, e finalmente dava o conselho fatal , a receita era simples, meio padronizada: abandonar a mulher, trocar por outra, esquecer , tomar um porre, essas coisas banais, mas que ditas pelo velho, adquiriam um tom mais solene e um sentido sacro. Como certos políticos que só fazem afirmações acacianas e óbvias, mas sempre com o ar de seriedade e a empostação de voz para emprestar sapiência à desimportância.

”Veja meu filho” dizia o Perly, mostrando a alva cabeleira , “eu,quando descobri que estava sendo traído, fui dormir de cabelos pretos e acordei banco como neve”. Ao ouvir aquela história inverossímil, a pessoa esquecia um pouco do seu pepino para saber dos detalhes da fábula .

Tratava todos de meu filho e minha filha. Sabia ouvir como ninguém, os diálogos duravam horas perdidas . Como um psicanalista, o Perly de intervalo a intervalo disparava as palavras chaves, uma afirmação, uma indagação, porém  nunca uma censura ou uma recriminação.

Era um Lacaniano intuitivo, formado na Universidade da Madrugada da praça do LIDO.
Quando ouvia algo que o deixava admirado emitia um NÃÃOOOO!!! , que, para quem o conhecia, sabia que o velho ficara chocado . Uma vez perguntei o que ele fazia para se manter tão jovem com mais de setenta e aguentando noitadas de boêmia . Ele respondeu de bate pronto : “Meu filho ,NUNCA CASEI e NUNCA TRABALHEI”.
E para quem lhe pedia conselhos de vida dizia : “Meu filho, NUNCA ANDE COM MULHER QUE TENHA MAIS PROBLEMAS E MENOS DINHEIRO QUE VOCÊ”.

Essas máximas, acompanhadas de casos vividos no Rio, capital da República , histórias de cinema, de cassinos, do teatro rebolado e das coristas com os atores em que o Perly  sempre figurava, foram formando uma platéia cativa no coffee do Colonial .

Aos poucos o austero lobby de hóspedes engravatados  passou a abrigar personagens da noite , as putas do Gogó da Ema, uma boite da rua Comendador, os gigolôs, pequenos traficantes discretos, contrabandistas , garçons desempregados ,  músicos, artistas e, claro jornalistas e delegados, sempre membros honorários dessa fauna noturna. A hierarquia era clara, Perly primeiro, depois Jamil Snege , Edgard braço de açucareiro , Ali Chaim ,Alvaro Junqueira e depois o colegiado.

O turco Jamil ocupava uma mesa ao lado do Perly e, com grande senso de oportunidade, ia registrando as histórias e os personagens que depois ganhavam mais vida e colorido nas narrativas dos livros .

As putas do Gogó sentadas na mesa do Perly a desfiar suas desventuras de mães solteiras expulsas da casa para a vida, para o Jamil eram bruxas de pano a tomar intermináveis  canjas de galinha  para repor a energia perdida no Hotel Carioca.

O Perly era, na fantasia do Turco, um mago, como o  Merlin a ministrar  as artes da sobrevivência para uma turma ávida de ensinamentos.

O garçon Colaço era um homem manso que servia sempre porções em dobro, nunca cobrava a conta e cuja única preocupação era cuidar para  que não fumassem maconha fora dos banheiros, porque o seu Jayme Canet, o dono do hotel, podia não gostar e fechar o coffe – o que acabou acontecendo como o Colaço previu.

Com o coffe fechado,  a turma dispersou-se e parece que daí em diante  a velheira bateu para valer no Perly , O Ruy e a DARC morreram e nosso personagem teve que mudar-se para a rua Presidente Taunay, onde alugou um apartamento e continuou a receber visitas dos amigos consulentes sempre  depois das 16 horas.

Sem o coffe shop, o Perly passou a abrir o seu apartamento depois das duas da madruga – e lá as garotas de programa, depois da saída das boites da Cruz Machado, iam em busca do papo amigo, e às vezes levavam um troco depois de algumas brincadeiras com o velho.”É para os seus alfinetes minha filha”. as esta já é outra parte da história  .

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