10:49Cismado

“Cismei”. Uma palavra só, na boca de quem pouco falou e pouco explicou, mas que resumia tudo e ficou para sempre. Ele cismou que tinha de deixar o Rio de Janeiro maravilhoso do fim da década de 40 e início dos 50 para ir trabalhar em São Paulo, que explodia com a industrialização. Só veio dar a explicação a um dos filhos quando já tinha netos grandes. Nunca foi ver Pelé jogar, mesmo sendo torcedor do Santos de arrancar os fios do bigode de tanto nervosismo sentado ao lado do radinho ouvindo Pedro Luis e Edson Leite na Bandeirantes. Também cismou que um dia, depois de décadas de uso, não teria mais bigode. E não tinha de explicar para ninguém aquele bico estranho. Era coisa dele e seus anjos e demônios internos, que o faziam ser seco e duro apenas do portão para dentro de casa –  e anjo e doce para fora, para os outros, para os desconhecidos. Um dia o filho, cismado, lhe comunicou que iria casar, na virngindade dos 23 anos. Ele alertou: “Pense bem!”. O herdeiro não pensou. Casou, saiu de casa, teve dois filhos e aprendeu a quebrar a cara sozinho. Ao se separar, oito anos depois, visitou o pai e lhe contou. “Eu não disse?”, foi a resposta cheia de razão. Zé Luis era assim e fez dois filhos à semelhança. No dia em que recebeu o beijo do mais velho, quarentão, o primeiro da vida, se entregou total. Vários anos depois retribuiu o beijo, coisa que ninguém jamais imaginou daquele homem que partiu há algum tempo e foi definitivamente ficar ao lado da dona Zefa naquele cantinho da morada dos mortos encravado em meio a plantações ao lado dos sítios onde os dois nasceram na Palmeira dos Indios origem de tudo. Cismado nasceu, cismado partiu e cismado me deixou com a vida.

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