14:11Carro ou metrô, o grande equívoco

por Jaime Lerner* (publicado no jornal Zero Hora)

Um dos grandes equívocos na discussão dos problemas das cidades no mundo inteiro é a polarização entre a opção pelo carro ou pelo metrô no enfrentamento dos desafios da mobilidade urbana.

Com o crescimento do número de carros nas ruas, alimenta-se o imaginário popular com a ideia de que a solução seria a ampliação da infraestrutura viária, como viadutos e vias expressas, e o consequente aumento de grandes estacionamentos – subterrâneos ou não, e a adoção de toda a parafernália que acompanha a opção pelo automóvel com as metodologias de engenharia de trânsito.

Para contrabalançar isso, vende-se a ideia de que só o metrô poderia resolver essa confusão fenomenal. E aí aparecem os “vendedores” de sistemas enterrados a abastecer a mente dos prefeitos com essa solução.

Nada como um metrô para se prometer ao cidadão, já que esse veículo rápido a correr pelo subsolo, sem depender do trânsito caótico, levando as pessoas confortável e rapidamente ao seu destino parece o ideal.

Se o metrô em si é rápido, o tempo de deslocamento total necessariamente não o é. E por quê? As estações são mais espaçadas, portanto há que se caminhar mais para alcançá-las. Depois, descer (e subir) por escadarias imensas nem sempre automatizadas e percorrer longos corredores até se chegar à plataforma desejada, onde se aguarda cada comboio em média de dois a cinco minutos. Caso haja a necessidade de se fazer uma correspondência com outra linha, repete-se o processo anterior, consumindo outros 15 ou 20 minutos preciosos.

Resultado: o tempo de viagem aumenta, e a corrida de obstáculos que esses percursos representam principalmente para adultos acompanhados de crianças e idosos (sem considerar as pessoas com limitações de mobilidade) consome muita energia. Cinquenta minutos depois, cansado e suado, você chega ao seu destino. E aí você ainda tem que subir outra escadaria e caminhar bastante, se não souber o ponto exato de emergir.

Mas, afinal, é bom o metrô? É ótimo! Contudo, não se pode esquecer que construir uma nova rede completa de metrô já não é mais possível para as cidades de hoje. Londres, Paris, Moscou, Nova York possuem redes extensas, mas que tiveram sua construção iniciada há cem, 120 anos, quando os custos de se trabalhar no subsolo eram menores.

Hoje, uma metrópole como São Paulo, por exemplo, tem quatro linhas, mas 84% dos deslocamentos são em superfície.

Embora eu acredite que o futuro está na superfície, não procuro provar qual sistema é o melhor. Cada cidade precisa extrair o melhor de cada modo de transporte que tenha, seja na superfície, seja subterrâneo. A chave reside em não se ter sistemas competindo no mesmo espaço e utilizar tudo aquilo que a cidade tem da forma mais efetiva.

Na minha opinião, os sistemas em superfície têm a vantagem de, com as características corretas (tais como canaletas exclusivas, embarque em nível e pré-pago e frequência elevada que chamamos de BRT, Bus Rapid Transport), alcançar um desempenho similar ou maior que o metrô subterrâneo por um custo que é acessível a todas as cidades e com uma implantação muito mais rápida. Ainda, há que se considerar a utilização de veículos individuais associados aos demais elementos da rede pública de transporte, como é o caso das bicicletas (o Velib) em Paris.

O que o grupo de “vendedores” não te conta é a quantidade imensa de recursos necessários para implantar uma única linha subterrânea que, contando todos os estudos, pode levar 20, 30 anos para ser construída. Ainda, sua operação terá que ser subsidiada, e aí recursos que se destinariam a educação, saúde, atenção à criança irão para o brejo.

Ah, sim! Aí vem a pressão! Sem metrô, o Brasil não irá sediar a Copa do Mundo. Como se o técnico dessa solução de mobilidade fosse o Dunga.

Curitiba transporta 2,3 milhões de passageiros/dia em seu sistema em superfície, mais ou menos o mesmo que o metrô de São Paulo, ou o metrô e o trem de subúrbio do Rio de Janeiro, juntos.

Um recente estudo avaliou que, para ampliar a sua capacidade de transporte em 3 milhões de passageiros/dia, o Rio precisaria investir R$ 3 bilhões (30% de recursos do governo em obras, 70% da iniciativa privada em frota). Logo, com R$ 1 bilhão – o equivalente ao custo de quatro quilômetros de metrô – a cidade poderia transportar 3 milhões de usuários a mais, em excelentes condições de conforto e segurança no sistema BRT.

Mas por que, então, alguns excelentes prefeitos embarcam nesse “metrô furado”, ou no furo para o metrô? Porque precisam anunciar ideias para pessoas que têm seu imaginário alimentado por idealizações. Seria o equivalente a te prometer a Angelina Jolie e te entregar o Clint Eastwood. E quem estimula isso: tecnocratas que contribuem para a deterioração dos sistemas de superfície pela má operação, visando apressar a “necessidade” de um metrô.

Por outro lado, cerca de 83 cidades do mundo, como Seul, Bogotá, Cidade do México, Los Angeles, algumas delas maiores que São Paulo, estão implantando o que eles chamam o BRT de Curitiba.

País subdesenvolvido é aquele que importa como última novidade o obsoleto.

*Arquiteto e urbanista, consultor de urbanismo da ONU. Foi três vezes prefeito de Curitiba e duas vezes governador do Paraná

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