17:14Corte Interamericana condena Brasil por crimes contra sem-terra no governo Lerner

Da Agência Estadual de Notícias:

O procurador-geral do Estado, Carlos Frederico Marés, apresentou nesta terça-feira (6) sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos em que o Brasil é condenado por crimes cometidos pelo Estado do Paraná contra integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em 1999. Os crimes decorrem da realização e divulgação de escutas telefônicas ilegais de integrantes de associações de trabalhadores rurais ligada ao MST. O Estado brasileiro foi considerado culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis.

“A Corte decidiu que o Brasil violou o direito à privacidade, cometeu crime contra a honra, a reputação, o direito à liberdade de associação cooperativa de trabalho, o direito à garantia judicial e à proteção individual”, explicou Marés, durante a reunião semanal da Escola de Governo, realizada no auditório do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.

A Corte, com sede na Costa Rica, é ligada à Organização dos Estados Americanos e fonte de Tratado assinado por todos os países do continente. O Brasil aceitou a Corte em 1992, e passou a reconhecer suas decisões em 1998. “O caso ocorrido no Paraná foi levado à Corte por organizações de direitos humanos, como a Rede Nacional de Advogados Populares, e quem é julgado é o Estado Brasileiro”, disse o procurador-geral.

“Durante o governo que me antecedeu, os desmandos da Polícia do Paraná foram muitos e muito sérios. Fizeram-se grampos clandestinos, cometeram-se invasões de privacidade que foram praticamente ignoradas pela Justiça. Mas fomos condenados pelos tribunais internacionais. E, entre as condenações que couberam, está a divulgação da sentença”, afirmou o governador Roberto Requião. “Vamos publicar um resumo da sentença em jornais do Paraná, explicando o que aconteceu com o Paraná naquele período triste de corrupção, invasão de privacidade e agressão a cidadania”, disse.

O CASO – “Em 1999, o sub-comandante e chefe do Estado Maior da Polícia Militar, coronel Valdemar Kretschmer, pediu autorização ao então secretário estadual da Segurança Pública, Cândido Martins de Oliveira, para realizar escutas em telefones da Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante (Coana). O secretário autorizou a Polícia a pedir autorização para as escutas na Justiça”, relatou Marés.

“O major Waldir Copetti Neves e o terceiro sargento Valdecir Pereira da Silva apresentaram pedidos à juíza Elisabeth Khater, da Vara Única de Loanda, sem dizer porque, para que ou quem era investigado. A juíza deferiu imediatamente os pedidos, por meio de uma simples anotação na margem da petição, e sem remetê-los ao Ministério Público”, explicou.

“Assim, foram feitas escutas durante três meses. Depois disso, o secretário Cândido Martins de Oliveira convocou a imprensa e divulgou tudo o que se apurou nas escutas. Esse é o fato”, narrou Marés.

Na entrevista coletiva à imprensa, a Secretaria da Segurança Pública distribuiu trechos das gravações editados de maneira tendenciosa. O conteúdo insinuava que integrantes do MST planejavam um atentado à juíza Elisabeth Khater e ao Fórum de Loanda. O material foi veiculado em diversos meios de imprensa, o que contribuiu para o processo de criminalização que o MST já vinha sofrendo. Um dia antes da coletiva, o material fora veiculado em reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo.

Apenas em maio de 2000, mais de um ano após a autorização das escutas, a juíza Elisabeth Khater enviou as escutas ao Ministério Público. A procuradora Nayani Kelly Garcia, do Ministério Público, argumentaria então que um policial militar, sem vínculos com a Comarca de Loanda e que não presidia nenhuma investigação criminal na área não tinha legitimidade para solicitar a interceptação telefônica. Além disso, a procuradora considerou o pedido isolado, sem fundamento em ação penal, investigação policial ou ação civil, e que as decisões judiciais que autorizaram os pedidos não foram fundamentadas. “Tais fatos evidenciam que a diligência não possuía o objetivo de investigar e elucidar a prática de crimes, mas sim monitorar os atos do MST, ou seja, possuía cunho estritamente político, em total desrespeito ao direito constitucional à intimidade, à vida privada e à livre associação”, escreveu a procuradora.

Por causa disso, o Ministério Público requereu à Vara de Loanda que declarasse a nulidade das interceptações realizadas e a inutilização das fitas gravadas.
Apenas em abril de 2002, a juíza Khater rejeitou o parecer do Ministério Público, mas, “para evitar mais celeumas e procrastinações”, determinou a incineração das fitas.

“Por conta disso, organizações de direitos humanos pediram ações da Justiça contra a juíza Elisabeth Khater e os policiais responsáveis. Houve uma ação penal contra secretário, e contra a juíza se disse que nada poderia ser feito”, afirmou Marés.

“Mas, agora, a Corte Interamericana condena o Brasil, determina a indenização dos trabalhadores rurais que tiveram direitos violados, a publicação da sentença, o reconhecimento do Estado da violação dos direitos. Além disso, pede que o Tribunal de Justiça do Paraná investigue a conduta da juíza. É um ato internacional de reparação de direitos humanos. Com essa publicação do caso na Escola de Governo, o Paraná pede desculpas à comunidade internacional pela violação de direitos humanos”, disse o procurador-geral.

A SENTENÇA – O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a realizar uma investigação completa e imparcial e a reparar integralmente as vítimas pelos danos morais sofridos em decorrência da divulgação na imprensa das conversas gravadas sem autorização.

Para a Corte, o Estado violou o direito à vida privada, à honra e à reputação reconhecidos no artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos, das vítimas dos grampos. Violou também o direito à liberdade de associação, reconhecido no artigo 16 da Convenção Americana, em prejuízo das vítimas, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Além disso, a Corte decidiu que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em prejuízo das vítimas a respeito da ação penal seguida contra o ex-secretário de segurança do Paraná, Cândido Martins de Oliveira, da falta de investigação dos responsáveis pela primeira divulgação das conversas telefônicas e da falta de motivação da decisão em sede administrativa relativa à conduta funcional da juíza Elisabeth Khater, que autorizou a interceptação telefônica.

A sentença determina que o Estado brasileiro deve indenizar as vítimas dentro do prazo de um ano, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, com o objetivo de reparar violações aos direitos à vida, à integridade e à liberdade pessoais, investigar os fatos que geraram as violações, publicar a sentença no Diário Oficial, em jornal de ampla circulação nacional e em outro jornal de ampla circulação no Paraná, além de em um sítio de internet da União Federal e do Estado do Paraná. O prazo para isso é de seis meses, para os jornais, e dois meses, para a internet.

Além disso, o Brasil deve restituir as custas dos processos, e apresentar um relatório do cumprimento da sentença no prazo de um ano. A Corte supervisionará o cumprimento integral da sentença, e só dará por concluído o caso quando o Estado cumprir a condenação.

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